O historiador Oswaldo Munteal, pós-doutor e especialista em
segurança pública, vê pelo menos quatro semelhanças entre o período histórico
que o Brasil vive atualmente e o que viveu em 1964. Para ele, o processo de
endurecimento do regime está em pleno vigor e possibilitará a implantação de
uma nova ditadura ainda mais difícil de combater.
Em entrevista exclusiva ao Portal O DIA, o especialista comparou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) com a deposição do presidente João Goulart, citou a participação do congresso na condução dos dois processos, o ataque a negros e moradores da periferia e a aprovação popular à intervenção federal no Rio de Janeiro. “Vivemos um processo de endurecimento do regime. Não é aventura, não é uma questão eleitoreira, não é mera coincidência. É um projeto de poder”, afirma o especialista.
Munteal contextualiza que a democracia no Brasil é uma exceção e que a regra é o autoritarismo. “Eu vejo os militares não como um elemento exógeno, mas como elemento endógeno, que está medularmente ligada à história do Brasil. As semelhanças com o que ocorre agora também existem com intervenções realizadas ao longo da história”, defende Munteal.
Ele acredita que a intervenção no Rio de Janeiro deverá ser polarizada no País. No último domingo (18), o presidente Michel Temer (MDB) enviou ao Ceará uma força-tarefa policial para dar apoio técnico às forças de segurança estaduais nas ações de combate ao crime organizado. Temer também convocou uma reunião com os conselhos nacionais de Defesa e da República na segunda (19), mas o ministro Torquato Jardim negou que possa haver intervenção federal no Ceará.
O que esperar?
Oswaldo Munteal, que estudou as reformas de base no período João Goulart em seu pós-doutorado, considera o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, assim como a deposição de João Goulart, em 1964, parte do plano para concretizar um governo militar no Brasil. “Contra Dilma não havia provas, da mesma forma que contra Jango também não. Ele respondeu a mais de 300 processos e foi inocentado de todos”, lembra o historiador.
O especialista acredita que o próximo passo para concretizar o plano militar será a prisão do ex-presidente Lula e a prorrogação dos mandados atuais, ou seja, a suspensão das eleições que estão previstas para acontecer este ano. “Por fim, teremos o colapso do estado direito democrático, com a volta da ditadura”, profetiza.
Para o historiador, muitas das perguntas que eram feitas sobre como se deu a implantação da ditadura militar em 1964 são respondidas agora. “O que se parece muito com aquela época é a adesão das pessoas à intervenção de agora. Então, se antes nos perguntávamos como o povo aceitou um regime daqueles, nesse momento vivenciamos a resposta”, destaca.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ideia Big Data, 75% dos moradores do Rio de Janeiro acreditam que a segurança no estado vai melhorar com a intervenção. Além do Rio, a pesquisa foi feita em outros quatro estados: Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.
Os dados apontam que 71% dos pernambucanos acham que seu estado também precisa de uma intervenção militar na segurança pública, assim como 56% dos capixabas e 46% dos gaúchos. Entre os paulistas, só 21% consideram a medida necessária para seu estado.
A pesquisa foi feita via telefone com 4.000 pessoas. A margem de erro é de 2,35 pontos percentuais para mais ou para menos.
Mercado é o vencedor
Mas não são apenas semelhanças que o historiador Oswaldo Munteal enxerga. Segundo ele, são as diferenças que causam maior preocupação. Um suposto golpe militar seria mais cibernético, acelerado, empresarial e monitorado. “Em 64 havia os militares nacionalistas. Agora temos um militarismo ligado ao empresariado e que certamente abrirá espaço para o mercado. Este é o grande vencedor”, acredita.
Outra diferença destacada por Munteal seria a dificuldade para combater uma possível ditadura no contexto histórico atual. “Temos uma sociedade mais alienada, como menos preparo para enfrentar a repressão, mais apática, menos culta e politizada e, por fim, mais monitorada”, conclui.
Cientista político discorda
A ideia de que o Brasil está prestes a enfrentar uma nova ditadura não é compartilhada pelo cientista político e historiador Ricardo Arraes, da Universidade Federal do Piauí. Para ele, não há nos cenários interno e externo, um clima que leve ao aumento da intervenção no sentido político. “O fato da intervenção ser localizada no Rio de Janeiro, e restrita a área da segurança pública, aponta que não há sentido para descambar em maiores intervenções de cunho ditatorial”.
Por outro lado, Arraes concorda que o apoio das classes média e alta aos militares é um fator que aproxima o cenário atual de 1964. No entanto, ele ressalta que os próprios militares não possuem interesse em ampliar seus poderes, tendo em vista que o pano de fundo da política internacional hoje é diferente do observado no passado.
A crítica do historiador à presença dos militares do Rio de Janeiro é pelo fato de ela ser colocada em prática sem planejamento, levando em conta que um dia os militares devem deixar as ruas e a situação não deveria retornar ao que era antes da intervenção.
Por: Nayara Felizardo e João Magalhães