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Minha cassação fortalece tese de golpe contra Dilma, diz Cunha

"Os defensores do PT querem a minha cabeça para ter o troféu. O discurso do golpe precisa da minha cassação. Isso é o que vai turbinar o PT para 2018", afirma.

12/09/2016 11:43

Ex-presidente da Câmara que detonou o processo de impeachment de Dilma Rousseff e réu no petrolão, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diz que, se os colegas de plenário cassarem seu mandato nesta segunda-feira (12), estarão fortalecendo o discurso de que a queda da petista foi "um golpe".

"Os defensores do PT querem a minha cabeça para ter o troféu. O discurso do golpe precisa da minha cassação. Isso é o que vai turbinar o PT para 2018", afirma.

Cunha falou com a Folha na sexta (9), a última entrevista antes da definição de seu futuro político. Na conversa, pede que deixem seu destino nas mãos do Supremo Tribunal Federal e reafirma que os deputados precisam "julgar sabendo que amanhã serão julgados".

Não quis dizer como anda a relação com Michel Temer, mas fez análises pessimistas sobre o futuro do presidente. Diz que ele se tornou refém do PSDB e que poderá ser dragado pela mesma crise de representatividade que pôs fim ao mandato de Dilma. Conta que vai escrever um livro sobre o impeachment e, mais uma vez, rejeita discutir uma delação.

Leia trechos da conversa abaixo.

ENQUETES

É pressão de mídia, que fica em cima. Muitos dos que declararam [ser a favor da cassação do mandato] me procuraram e disseram que não é bem assim.

TROFÉU

Os defensores do governo corrupto do PT querem a minha cabeça para ter o troféu. O discurso do golpe precisa da minha cassação, vai dar munição para eles dizerem que o processo é tão deturpado que quem autorizou a abertura do impeachment foi cassado. Para eles, essa é uma luta de vida ou morte. Sou o principal inimigo deles, o algoz. Existe um espírito de vingança e eles querem consumar na votação. Não tenha dúvida: a minha cassação vai representar o fortalecimento do discurso do golpe.

Foto: José Cruz/ Agência Brasil (13/07/2016)

DILMA

Vi parte da defesa da Dilma [no Senado]. Achei horroroso. Era a Dilma. Não poderia ser melhor porque era ela. Continua mentindo até dizer chega. Não sei se ela tem conta na Suíça. Pode não ter sido pega. Sei que o marqueteiro dela disse que recebeu caixa 2, com o conhecimento dela. Isso é retidão? Ela não é uma pessoa que possa ser chamada de idônea. Por mais que ela queira dizer que não teve nenhum crime, o crime de caixa 2 da campanha dela vai ter a consequência da cassação da chapa no TSE. Não sei se vai incluir o [então] vice, essa é uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Mas, do foi apresentado ali, não tenho dúvida que vai caminhar para a cassação. Pena que lentamente, se tivesse julgado no tempo devido, talvez não tivesse o impeachment.

CORRUPTO

Que discurso da moralidade o PT pode fazer? Ali é uma estrutura partidária. Não são membros corruptos. Os tesoureiros estão presos. Todos os parlamentares do PT, mesmo os que não participavam diretamente do processo, tiveram a campanha financiada com dinheiro do partido. Se tiveram, e o dinheiro está atribuído à corrupção, todos estão lá pelo caixa do petrolão.

O JULGAMENTO

Tenho que acreditar que quem assume o papel de julgador vai fazê-lo com a convicção de que hoje está julgando, mas amanhã poderá ser julgado. Todo mundo vai querer julgar da forma como gostaria que fosse julgado. É o que eu faria.

DOSIMETRIA

Não sou culpado de nada. Agora, o que estão tentando fazer é dizer que tenho que ser punido de qualquer maneira. Me punir passou a ser uma demanda. Então, como é uma demanda estão discutindo a dosimetria da minha punição (risos).

AMEAÇA

Se cassarem um ex-presidente da Câmara com uma situação absurda [Cunha é acusado de mentir à uma CPI ao negar ser titular de conta na Suíça], tendo um processo judicial em curso, amanhã não poderão cassar qualquer um? Isso é ameaça ou é constatação? Falam que fiz ameaça quando disse que mais de 160 parlamentares estão sob investigação, com inquérito, processo. Se eles forem julgados pelo texto da acusação, não vai sobrar ninguém.

MENTIRA

Ser cassado sob acusação de mentir? Como se todo mundo só falasse a verdade? Se menti ou não menti, será resolvido quando o Supremo decidir [o caso]. Se for condenado, terei mentido. Se não for, não terei.

PLANALTO

O governo não tem que se meter, não deve se meter e não quero que se meta. Não se trata disso. Não estão entendendo que estou sendo vitimado. Querem entregar a minha cabeça no contraponto do processo de impeachment e isso é um erro que vai ter consequências. Isso é o que vai turbinar o PT para 2018.

PRESSÃO SOBRE TEMER

Se fosse verdade, então o governo seria muito fraco, porque não arruma um voto.

ABANDONO DO PMDB

Não me sinto nem abandonado nem amparado. Sinto que o ambiente está tumultuado pela eleição. Marta Suplicy (PMDB-SP), por exemplo, que defendeu a minha cassação. Logo ela, que conviveu com a corrupção do PT desde a origem, estava lá até agora há pouco, que acabou de subir no ônibus e quer sentar na janelinha... É por isso que ela vai perder a eleição em São Paulo.

'ARMADILHA TEMER'

Ele está vivendo uma situação difícil, inclusive com erro de agenda. As manifestações de 2013 nunca foram sepultadas. Essa crise foi o propulsor do impeachment. Agora, Michel assumiu e, de certa forma, ele herda a crise de representatividade. Aqueles que votaram na Dilma e também no Michel –ele foi votado pelos mesmos 54 milhões– votaram num programa de governo apresentado pela Dilma que não foi cumprido. Ele precisaria compreender que ele foi votado por esses 54 milhões, que votaram em um programa de governo que a Dilma não cumpriu.

REFÉM

Há a sensação de que ele fica refém, porque ele entrega a política e o governo para aqueles que foram a oposição, que perderam a eleição para ele. É importante dizer isso: o PSDB e o DEM perderam a eleição para a Dilma e para o Michel. Se você quer legitimar o poder, tem que legitimar o poder eleito pelos 54 milhões. Quando você quer fazer o programa do PSDB e do DEM, passa a impressão de que quem está governando é o PSDB e o DEM. De uma certa forma, está trazendo para si a falta de representatividade. Os que votaram em você não reconhecem isso e aqueles que votaram no programa PSDB/DEM não entendem que o Michel é o representante legítimo para exercer isso. Nessas circunstâncias, ele está numa armadilha.

COMPORTAMENTO

Tem que ter um pacto mínimo, mas não temos mandato reformador. Temos um mandato resultante de uma crise. Não dá para se comportar como se tivesse se ganho uma eleição, com um programa que não foi discutido e apresentado à sociedade.

OS INSATISFEITOS

Vai acontecer o seguinte: nesse primeiro momento, há [nas ruas] os movimentos orquestrados pelo PT, mas daqui a pouco vão se agregar os outros, os insatisfeitos com o programa não cumprido da Dilma, os que votaram no Aécio... Isso é uma situação muito perigosa.

REELEIÇÃO

O PSDB adotou essa posição de censor depois que se divulgou a ideia de que o Michel poderia ser candidato à reeleição. Eles ficaram com a desconfiança. Não vão ser sócios de um governo que dê certo, porque se der certo o candidato é o Michel. Se der errado, serão partícipes do fracasso. Então eles vão ficar nessa posição. Votam o que for de interesse deles e criticam o que não for. Demarcaram uma diferença.

TIRO NO PÉ

Não tenha dúvida que essa história de reeleição quem colocou foi a entourage do Michel, que pensa nisso. Nem acredito que ele tenha essa intenção. A divulgação foi um tiro no pé. Mas toda entourage tem o seu Mercadante.

DELAÇÃO

Não existe essa história. Isso visa tentar me constranger. Só faz delação quem cometeu crime e eu não cometi. Essa boataria começou porque tenho uma advogada, que trabalha comigo há muito tempo, que fez a delação do Sérgio Machado.

GRAVAÇÕES

[Esses relatos] Também vieram do fato da minha advogada ser a mesma do Sérgio Machado. Isso acabou me prejudicando muito. O que foi feito pelo Sérgio Machado é absurdo. Jamais gravei, compactuei ou conversei com alguém que grave quem quer que seja. Não aceito isso. Tenho repulsa pessoal.

ERROS

Cometi dois grandes erros. O confronto exagerado que estabeleci [com Rodrigo Janot] acabou chamando uma reação corporativa do Ministério Público. E, talvez, eu devesse ter ignorado o governo, não ter partido para o rompimento. Estava convencido que havia articulações para me constranger. O problema é que eu poderia ter continuado com a minha certeza e não ter reagido como reagi.

EXCESSOS

Posso ter errado a forma do que falei, mas, na prática, pergunto: quantas denúncias foram aceitas pelo Supremo? Com a minha, duas. Quantas foram apresentadas e estão paradas? Quantos inquéritos estão abertos? Quais são as movimentações dos inquéritos? Como o presidente do Senado tem denúncia há quase quatro anos e ela não é apreciada?

ISONOMIA

O Supremo não me tratou com isonomia. Se você olhar com frieza, os motivos do meu afastamento são absurdos. Qualquer punição que eu tenha, quem me deu não foi o parlamento, foi o Supremo, quando me afastou. O Judiciário está se sobrepondo aos outros poderes. Está desbalancendo a harmonia e a independência.

LIVRO

Vou escrever um livro sobre o impeachment. Ainda não pensei no título. Vou escrever com todos os detalhes tudo o que aconteceu dentro desse processo do qual participei. Tenho uma boa memória, né? Tenho ele rascunhado dentro da minha cabeça. Pretendo ter ele pronto até o fim desse ano. Acho que, talvez, o ponto de partida seja as manifestações de 2013. Tudo começa ali.

CÉU E INFERNO

Quem lida bem com política sabe que, já dizia Murilo Badaró, ela é a única atividade que você pode morrer e ressuscitar várias vezes. Já vi muita gente morrer e ressuscitar. Isso não me preocupa. Já vivi muitas coisas, já vi muita coisa acontecer. É como uma gangorra. Isso não me preocupa.

DIA SEGUINTE

Não espero perder o mandato mas, se acontecer, o livro vai sair mas rápido. Vou ter mais tempo.

Fonte: Folha de São Paulo
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