Os relacionamentos abusivos são mais comuns do que as pessoas imaginam. Muitos dos que vivem em uma relação assim nem mesmo sabem ou conseguem perceber que estão sendo controlados. O problema é um perigo principalmente para as mulheres, que são as que mais sofrem com o controle dos parceiros, pois geralmente são acompanhados por ameaças, que podem evoluir para violências físicas e até à morte, configurando-se crime de feminicídio.
Amigos e familiares prestam homenagem em memória a Iarla Lima, assassinada pelo namorado em junho (Foto: Andrê Nascimento)
O alerta vem de profissionais da área policial, psicológica e até jurídica. Os relacionamentos abusivos nem sempre vêm com violência física e verbal tão perceptíveis, a violência geralmente é psicológica e silenciosa. O controle dos lugares que podem ser frequentados, das pessoas com quem se pode andar, das atividades que se pode realizar e do domínio pessoal sob ameaça de término da relação são exemplos de comportamentos que indicam estar dentro de um relacionamento abusivo, como explica a psicóloga Denisdéia Sotero.
“Muitas mulheres só acham que estão em um relacionamento abusivo quando são ameaçadas ou sofrem opressão física. Mas não é assim. Não existe uma etapa específica. A partir do momento que o homem usa uma tonalidade de voz que indique um controle ou que age como se fosse dono da mulher, ou ainda que fique olhando as redes sociais, invadindo a privacidade da companheira, ali já se configura um relacionamento abusivo com predisposição para um relacionamento com violência”, esclarece a psicóloga.
Dados
De acordo com os dados divulgados na última segunda (30) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano passado, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no Brasil, totalizando 4.657 mortes. Mas apenas 533 casos foram classificados como feminícidio, mesmo após a lei de 2015 obrigar tal registro para as mortes de mulheres dentro de suas casas, com violência doméstica e por motivação de gênero.
Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, o Piauí registrou 58% das mortes de mulheres como feminicídio. Em 2015, tiveram 67 ocorrências de crime de feminicídio no Estado. Embora em 2016, este tipo de crime tenha reduzido em 19,4% e chegado às 54 ocorrências no Estado, este ainda é um dado considerado preocupante, se levar em conta as sub-notificações.
Mulheres não são culpadas
por se calarem
A advogada conselheira da OAB-PI, Ana Carolina Fortes, que também é membro da Comissão da Diversidade Sexual da entidade, alerta para importância de não culpar a mulher por não denunciar a violência cometida contra ela. Para a advogada, as proporções de medo e constrangimento são maiores do que as pessoas imaginam.
“Acho muito importante que as mulheres não sejam culpadas por não denunciarem. Existe um estigma muito forte de que se a mulher não falou nada, signifique que ela concorde com isso. Mas, na verdade, ela está tão fragilizada naquele sistema de opressão que é muito difícil para ela denunciar. A gente não pode exigir isso da mulher, por isso que quando outra pessoa presenciar esse tipo de opressão, elas podem registrar ocorrência”, argumenta.
A advogada destaca que a
violência influi na reputação
da mulher, que acaba ficando
muito exposta, além do medo
de perder o companheiro com
quem dividia a vida, as despesas,
o pai dos seus filhos. Para
Ana Carolina, o que ela precisa
é de apoio.
Como lidar quando percebe um
relacionamento abusivo?
O relacionamento abusivo, quando não é identificado pela própria parceira, pode ser percebido pelos amigos ou familiares. Nesses últimos casos, a psicóloga Denisdéia Sotero orienta que haja uma conversa com a pessoa a fim de alertá-la quanto ao problema.
“A partir do momento que alguém de fora começa a observar o abuso, a conduta deve ser orientar e conversar com a vítima, se ela não aceitar, deve ser indicado que busque uma psicoterapia para trabalhar essa questão da negação do abuso, quando o sentimento fala mais alto que a razão”, recomenda.
A especialista alerta que, a
partir do momento em que
o relacionamento abusivo é
identificado, só há dois caminhos
para lidar com o problema:
romper a relação ou, em
certos casos, fazer terapia a
dois.
Amigos e familiares podem denunciar casos
A delegada do Núcleo de Feminicídio do Piauí, Ana Melka Cadena, alerta que ameaças dentro dos relacionamentos não podem ser banalizadas e qualquer ação que represente uma dominação, disfarçada de cuidado excessivo, deve ser levada em consideração. A denúncia dessas ameaças é muito importante e a delegada incentiva que, quando a vítima tem medo de denunciar, seus amigos e familiares denunciem.
“É importante que seja denunciado, porque uma autuação policial ou mesmo de Centros de Referências, CAS, vai impedir que haja uma evolução do controle no relacionamento abusivo. E nem precisa que a gente espere que quem está sofrendo a violência denuncie, os amigos e familiares também podem denunciar, pelo 180, sem que seja identificado”, ressalta.
Ana Melka enfatiza ainda que, com a denúncia, o agressor é penalizado, afastado e responde a um inquérito policial. Dessa forma, a vítima é tirada da situação de opressão. Segundo ela, os casos de feminicídios no Estado são, em sua maioria, de situações onde não houve de forma nenhuma a inserção de órgãos de policiamento, ou seja, sem denúncias prévias de que estava sofrendo opressão.
“O homem pode ser preso
preventivamente, além de, ao final do processo, a sentença poder ser como uma pena
alternativa, de prestação de
serviço e ocorrer o afastamento
do lar e da vítima. Sei que
existe o discurso do medo de
que depois que ele saia, possa
ser pior. Mas o que vemos, na
prática, é que o pior é não denunciar,
porque a impunidade
é que motiva o agressor a continuar”,
declara
Por: Karoll Oliveira