“Anseio o que o futuro tem pra mim”, disse Janaína Bezerra em seu último poema publicado. Neste fim de semana faz um ano em que a estudante de jornalismo, de 22 anos, teve seus sonhos ceifados ao ser brutalmente estuprada e assassinada dentro de uma sala de aula na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Um ano se passou, mas a família de Janaína continua vivendo o luto. A sua mãe, Maria Socorro da Silva, conta que, constantemente, revive e relembra a morte da sua filha, levando a vida “do jeito que Deus quer”, diz ela.
“Nossa vida continua, mas nem acredito que já faz um ano. Passou tudo muito rápido, mas estamos entregando na mão do Senhor. Eu peço muito a Deus que olhe por ela”, comenta dona Socorro.
Janaína participava de uma ‘calourada’ no dia 27 de janeiro de 2023 quando foi abordada por Thiago Mayson da Silva Barbosa, que a violentou sexualmente e mudou, para sempre, o destino da jovem. Ele foi julgado e condenado a 18 anos de prisão após meses de espera e consecutivos adiamentos.
A pena, no entanto, ficou abaixo do esperado pela família, pelos advogados e pela própria sociedade que acompanhou o caso. A acusação então entrou com um recurso e pediu a anulação do julgamento sob a possibilidade de o Tribunal do Júri ter se confundido durante a votação, uma vez que Mayson não foi condenado por feminicídio, e sim por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
Até o momento, o recurso não foi julgado. E, enquanto isso, a família de Janaína vive o que Socorro da Silva definiu como “pesadelo”. À espera de um novo julgamento a qualquer momento, a mãe da jovem anseia que a situação chegue logo ao fim. “Fico pensando que vai começar tudo de novo. Para mim, é um pesadelo ter que ver, reviver e sentir tudo mais uma vez. Quero ter paz e quero que tudo seja esclarecido, pois até agora não sabemos a verdade”.
Com as marcas e dores da perda ainda presentes, a família fará, na segunda-feira (29), uma missa para homenagear Janaína. A ‘missa da saudade’ acontecerá em uma igreja próximo à casa da família, que fica localizada na comunidade São Francisco, na zona norte de Teresina.
O que mudou?
A jovem estudante, que escrevia poemas e queria ser jornalista, foi a primeira da família a entrar em uma universidade. Cheia de sonhos e objetivos futuros, Janaína iria se formar em 2025. Infelizmente, teve sua vida interrompida não só pelo machismo estrutural e pela cultura do estupro presentes em nossa sociedade, mas também pela falta de segurança dentro de uma instituição federal, onde os estudantes deveriam poder sentir-se seguros.
Após o assassinato de Janaína, a UFPI se comprometeu em implementar diversas medidas, como um maior número de câmeras de segurança no campus, reforço policial (especialmente com policiais mulheres), além de melhorias na iluminação e a criação de um protocolo de enfretamento à violência contra a mulher. Hoje, 365 dias se passaram, o que mudou?
A coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFPI, Thays Dias, diz que as mudanças propostas estão andando a passos lentos. “Nada andou. Ano passado, depois do assassinato de Janaína, não tinha muita segurança. O tempo foi passando e nada andou. O próprio protocolo que discutia a segurança das mulheres ficou pronta recentemente, um ano depois”, relata Thays.
Durante o ano passado, o Sistema O DIA acompanhou as medidas divulgadas pela instituição. Segundo a UFPI, foram mantidos 188 vigilantes, serviços de rondas e controle de acesso às vias do campus após as 22h. Outros reforços de segurança incluíam a troca de lâmpadas.
Um estudante, que não quis se identificar, relatou que nem todas as medidas entraram em vigor. “Nós tivemos um reforço policial, mas não vemos muitas polícias mulheres. Tivemos aumento das câmeras de segurança, mas a iluminação ainda continua precária”, declarou.
Em nota, a Universidade Federal do Piauí (UFPI) informou que, ao longo de 2023, intensificou ações e estratégias para garantir a segurança em suas unidades de ensino e setores administrativos. A instituição disse que criou um Grupo de Trabalho (GT) de Enfrentamento à Violência de Gênero, que promove programas de acolhimento, acompanhamento, enfrentamento e capacitação para combater à violência gênero dentro da Universidade.
A instituição ressalta ainda que trabalha em parceria com o Governo Federal no enfrentamento da violência nas Instituições de Ensino Superior e afirma que tem investido em diálogos com entidades da sociedade civil e órgãos.
"A UFPI fortalece todas as ações para o enfrentamento e atua em diferentes frentes e no sentido de que não aconteçam violências contras as mulheres em qualquer espaço da sociedade. A memória de Janaína vive nas mulheres que fazem a UFPI", concluiu a nota.
À espera da anulação
Thiago Mayson da Silva Barbosa foi condenado a 18 anos e seis meses de prisão no dia 30 de setembro de 2023. Ele estava sendo julgado pelos crimes de homicídio, vilipêndio de cadáver (por manter relação sexual com a vítima já sem vida), estupro de vulnerável e fraude processual.
O resultado saiu depois de três tentativas de realizar o julgamento. As audiências foram adiadas duas vezes, sendo a primeira por falta de quórum no Tribunal do Júri e a segunda pela ausência de advogado de defesa.
Dada a sentença, os advogados de acusação pediram para anular o julgamento. Mais de três meses se passaram e o recurso ainda não foi julgado. A advogada Florence Rosa, que acompanha o caso desde o início, comenta que há grandes expectativas que o julgamento seja anulado, visto que, em seu entendimento, ocorreu um equívoco por parte dos jurados.
“Nosso próximo passo depende do julgamento deste recurso. Estamos aguardando e acreditamos que será anulado, pois os jurados que votaram, não entenderam o quesito e a pergunta que foi feita. Eles expressaram sentimento”, disse a advogada ao O DIA.
A reportagem também entrou em contato com a defesa de Thiago Mayson, o advogado Ércio Quaresma, conhecido por ter atuado no caso do ex-goleiro Bruno, assassino de Eliza Samúdio. Ele informou apenas que o caso corre em segredo de justiça.