O Quilombo Mimbó, localizado na zona rural de Amarante, a cerca de um quilômetro da BR-343, foi escolhido para sediar o evento que marca o início da coleta do Censo Demográfico entre os quilombolas do Piauí. A comunidade possui 203 anos de existência.
O Mimbó é formado por casas simples, distribuídas em apenas cinco ruas, sendo que a principal e mais extensa é onde se localizam a maioria das residências. A comunidade possui uma escola, que atende crianças até o 5º ano do Ensino Fundamental, e um posto de saúde em funcionamento. Os moradores têm acesso à energia elétrica, água e internet.
(Fotos: Divulgação/IBGE)
Mas o acesso ao mínimo foi conquistado com muito esforço. Após 153 anos da abolição da escravatura no Brasil, os descendentes de escravizados ainda relatam ter de enfrentar preconceito para conseguir acesso aos direitos básicos garantidos na Constituição.
“Ainda temos muita dificuldade com relação à escola, porque precisávamos que os professores viessem de Amarante para dar aulas aqui e muitos não queriam vir”, conta a liderança local, dona Idelzuíta Paixão. Conforme ela, isso ocorria por conta do preconceito. “Até que nos revoltamos porque os professores não queriam vir pra nossa comunidade, porque é uma comunidade de preto”, ressalta.
O fruto dessa revolta foi a luta por ingresso no Ensino Superior. “Hoje, quase todo mundo da comunidade está fazendo faculdade, para que não precisemos buscar ninguém lá fora para trabalhar aqui”, celebra dona Idelzuíta. “Queremos professores daqui mesmo, porque assim temos como repassar para as crianças como é a vida e a cultura do povo negro”, justifica.
Com quase 70 anos de idade, dona Idelzuíta é o próprio símbolo dessa resistência (Foto: Divulgação/IBGE)
Apesar disso, muitos moradores ainda sobrevivem por meio de trabalhos exaustivos. “O povo aqui trabalha na agricultura, fazendo carvão, na roça, na farinhada. É uma vida muito difícil, mas a gente resolve”, comenta a liderança local. Para ela, o fundamental é que permaneçam todos unidos.
“O povo negro tem uma resistência de sobreviver. A gente vive com fome ou de barriga cheia, com dinheiro ou sem, com saúde ou sem, tendo a permissão de Deus nós permanecemos aqui. Não tem dificuldade que faça a gente sair desse lugar”, enfatiza dona Idelzuíta.
Com quase 70 anos de idade, dona Idelzuíta é o próprio símbolo dessa resistência. Debaixo de sol e encarando a poeira, ela mantém o quintal limpo e a casa organizada. Atende a equipe do IBGE e ainda termina a tempo de concluir a preparação do almoço – “tenho um velho que gosta de comer no horário”, brinca.
Quem é o “negro do Mimbó”?
Descendente direta dos fundadores do Mimbó, dona Idelzuíta conta que seus antepassados chegaram à região fugindo do sistema escravagista ao qual estavam submetidos em Pernambuco. Eram dois casais negros, que decidiram se estabelecer em uma caverna encontrada no local. “Eles passaram mais de 25 anos na caverna. Aí quando eles viram que não seriam mais procurados pelos brancos, fizeram casinhas de palha na beira do riacho Mimbó”, relata.
Por muitos anos, a comunidade viveu isolada às margens do Mimbó, mas os moradores sofriam muito com as cheias. Em 1973, decidiram se estabelecer na serra, próxima ao riacho, onde vivem até hoje. A história da comunidade pode ser revisitada no alto do Mirante do Mimbó, de onde é possível enxergar o riacho e a antiga localização do quilombo.
Em 2022, pela primeira vez, o recenseamento possibilitará a autoidentificação como quilombola. Com isso, será possível conhecer em detalhe as condições atuais de vida dessa população e identificar aspectos que precisam melhorar em cada comunidade. “O Censo vai trazer uma realidade ainda desconhecida de muitos brasileiros”, comenta a responsável técnica pelo projeto de povos e comunidades tradicionais do IBGE, Marta Antunes.
Conforme moradores de Amarante, a expressão “negro do Mimbó” foi usada por muito tempo de forma pejorativa – evidenciando o preconceito encarado pelos quilombolas da região. Com os dados do Censo Demográfico, será possível retratar quem é o “negro do Mimbó” de fato, ajudando a mostrar que não há motivo para usar o termo de forma ofensiva.
Para dona Idelzuíta, o recenseamento com a possibilidade de autoidentifcação quilombola “é uma novidade muito boa, que a gente não esperava. Cada vez mais, coisas melhores estão entrando na nossa comunidade e a gente se orgulha disso”, destaca.
Só no Piauí, foram identificados pelo IBGE 215 localidades quilombolas, incluindo territórios oficialmente delimitados ou não, distribuídas em 73 municípios. Em todo o país, são 5.972 localidades, em 1.672 municípios de 24 estados e do Distrito Federal.