No
último dia 30, alunos, professores e reitores das universidades federais
brasileiras foram pegos de surpresa com o anúncio do Ministério da Educação
(MEC) de estender o bloqueio de 30% dos recursos a todas as instituições federais
de ensino superior do país. Antes, a medida seria aplicada somente à
Universidade Federal da Bahia (Ufba), Universidade Federal de Brasília (UnB) e
Universidade Federal Fluminense (UFF). A medida aplicada contra estas três instituições
foi criticada por especialistas que afirmaram se tratar de uma retaliação a
atividades políticas ocorridas dentro destas unidades acadêmicas.
Os
cortes atingem o custeio de atividades básicas para o funcionamento das
universidades e institutos federais, tais como segurança, fornecimento de
energia e de água. Aqui no Piauí, Ufpi e Ifpi já discutem medidas para que os
30% a menos no orçamento previsto não impacte tanto na manutenção das
atividades. Na Ufpi, por exemplo, a administração superior já decidiu por
algumas medidas de contingenciamento de gastos a serem tomadas. As duas
primeiras delas são o corte dos celulares institucionais a partir de maio e
suspensão da liberação de veículos para eventos e congressos.

Foto: Arquivo O Dia
As
medidas foram anunciadas pelo reitor da Ufpi, Arimateia Dantas Lopes, em entrevista
exclusiva a O Dia. “Todos os celulares usados pela administração superior, a
partir de maio, não serão renovados. Os veículos serão liberados somente para
as aulas de campo, para cumprir nossas obrigações com relação aos currículos
dos cursos”, afirma. De acordo com ele, a Ufpi já gastou 40% do orçamento
previsto para o primeiro semestre só com a compra de combustível.
Vale
ressaltar que a Ufpi já está passando por um contingenciamento de 20% no
orçamento previsto para o ano. Em cada semestre, a universidade tem liberado
para empenho 50% do orçamento, no entanto, no primeiro semestre, só foi
liberado 40% e no segundo semestre, será mantido este valor. Ou seja, são 10% a
menos nos seis primeiros meses do ano e mais 10% a menos no segundo semestre. Isso
significa dizer que a UFPI já tem recebido somente 80% do que deveria receber
do Governo Federal.

Arimateia Dantas Lopes, reitor da Universidade Federal do Piauí - Foto: Assis Fernandes/O Dia
A
situação se agrava mais ainda porque o orçamento de custeio da Ufpi está
congelado nominalmente desde 2016, ou seja, não houve aumento real no valor dos
recursos destinados à Ufpi nos últimos três anos. Em contrapartida, os gastos
com serviços básicos de manutenção aumentaram. “Esse orçamento de custeio é usado
para fazer a universidade funcionar: combustível, material de expediente,
pessoal terceirizado, energia, água, tudo isso está incluso nele”, explica o
reitor.
E
em se tratando de pessoal terceirizado, este é outra área da Ufpi que passará por
ajustes, mesmo que setores como vigilância, limpeza e administrativo jpa
estejam operando no seu limite de efetivo.
“Já
estava difícil, estava muito difícil. Agora vai ficar quase impossível fazer a
gestão da universidade sem os recursos necessários para seu funcionamento. Nós
temos que fazer ajustes e mesmo assim eles não serão suficientes, porque não
tem como cortar certas despesas”, finaliza Arimateia.

“Já estava difícil, estava muito difícil. Agora vai ficar quase impossível fazer a gestão da universidade sem os recursos necessários", diz Arimateia Dantas
“Não
há onde mexer. Estamos no limite do limite”, afirma reitor do Ifpi
Outra
instituição que está estudando sobre onde cortar gastos e se adequar à redução
do orçamento caso o bloqueio de 30% do MEC passe a valer é o Instituto Federal
do Piauí (Ifpi). Em conversa com a reportagem de O Dia, o reitor do Instituto,
Paulo Henrique Gomes de Lima, explica que o Instituto Federal já está operando
com o mínimo de condições e que não vê de onde possam ser cortados custos para
manter o funcionamento básico dos campi no Piauí.
“Não
há de onde mexer, porque a margem que temos pra fazer isso não chega a esse
montante de 30% que deve ser reduzido. Por exemplo, a economia de energia: por
mais que a gente economize, não chega a essa monta. Então pegar 30% do nosso
custeio hoje significa que, infelizmente, a gente vai ter que mexer com nosso
pessoal. Mas vamos mexer onde, se já fizemos isso no passado? Estamos no limite
do limite”, afirma Paulo Henrique.

Paulo Henrique Gomes de Lima, reitor do Instituto Federal do Piauí - Foto: Assis Fernandes/O Dia
Ele
lembra que em 2017, o Ifpi recebeu uma recomendação do MEC para fazer um
reajuste e na época o Ministério contingenciou parte do recurso destinado ao
instituto. O reitor informa que naquele ano, foram demitidos 230 colaboradores
e que mexer com pessoal terceirizado não é uma hipótese a ser pensada no
momento, até porque o número de trabalhadores nos campi já está bastante
reduzido.
Com
relação ao orçamento do Ifpi para este ano, assim como a Ufpi, está havendo
contingenciamento. No primeiro semestre, o instituto deveria receber 50% do
valor previsto, mas recebeu apenas 40%. Este valor deverá se manter para o
segundo semestre, ou seja, o Ifpi receberá somente 80% do orçamento total
previsto para 2019. A redução é de 20% assim como foi na Ufpi.
O
reitor critica a medida do Governo Federal e dispara: “A educação nunca foi um
projeto de governo prioritário. A gente sempre viveu às margens do que dava para
fazer. A rede federal tem mais de 600 unidades em todo o Brasil e ela leva
educação de qualidade ao jovem. Não podemos aceitar isso de forma passiva”,
finaliza Paulo Henrique.

"A educação nunca foi um projeto de governo prioritário. A gente sempre viveu às margens do que dava para fazer", afirmou Paulo Henrique
Cortes
na área de humanas
Os
reitores da Ufpi e do Ifpi também teceram críticas à medida do Governo Federal
de descentralizar e reduzir os recursos destinados aos cursos de Filosofia e
Sociologia nas instituições de ensino superior. Para Arimateia Dantas, a
decisão é um equívoco. “Essa história de dizer que não são cursos importantes
não existe. Os grandes matemáticos era antes filósofos. Então a formação
humana, ela é importantíssima não apenas para o pessoal que se dedica a estudar
isso, mas para o cidadão. Não tem como ter uma universidade sem a área de
humanas porque ela é a base para todas as outras áreas de conhecimento, seja
ela saúde, exatas ou tecnologia”.
Já
o reitor do Ifpe, Paulo Henrique Gomes, afirma que a medida tem percepção
ideológica e que a decisão é inaceitável, porque vai minar a formação crítica
das pessoas. “Não podemos abrir mãos de áreas que levam à criticidade e ao conhecimento
para a sociedade. Nós não queremos ter uma sociedade formada por robôs, por pessoas
que dizem amém a tudo. Não é do nosso feitio formas robôs, queremos formar
cidadãos que possam criticar e formar alternativas”, diz o reitor do Ifpi.
“E
só corte e a educação só piora”
A
reportagem de O Dia conversou com estudantes da Universidade Federal do Piauí
sobre o que eles pensam das medidas recentemente anunciadas pelo Governo
Federal para a educação superior no país. O que eles afirmam é que há muito
corte e a situação do ensino não tem melhorado como se havia justificado. Graduando
da licenciatura em Letras Português-Francês, Aldo Andrade diz: “para quem passa
o dia na Ufpi, tem uma situação um pouco precária e com baixo investimento só
piora”. O estudante acredita que, se permanecerem os cortes, será questão de
tempo para que as universidades federais parem de vez de funcionar.
Já
para Ganriele Xavier, também estudante de Letras Português-Francês, isso afeta
diretamente toda a cadeia educacional do país, reverberando inclusive na
educação básica, que tem sido posta como o foco do governo federal. “É
extremamente preocupante, porque você não tem perspectiva de que vai terminar e
se termina, não tem perspectiva de emprego. Esquecem que o curso superior, as
licenciaturas, é que forma o professor e que sem profissional qualificado, a
educação perde como um todo”.
Por: Maria Clara Estrêla, com informações de Karliete Nunes
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