Seja no campo profissional ou no campo social, as mulheres estão em constante luta contra a discriminação de gênero. Foi-se o tempo em que ser mulher era sinônimo de “sexo frágil”, de reclusão à vida doméstica e de dependência financeira e emocional. Elas estão no controle, elas comandam e o fazem, porque sabem que podem e que são capazes. Das firmas familiares a representantes de grandes empresas, de líderes comunitárias a grandes lideranças políticas, as mulheres ganham voz cada vez mais potente e se fazem ser ouvidas e vistas, ainda que muitas vezes o cenário não lhes seja justo e propício.
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No Brasil, as mulheres ainda recebem até 77% menos que os homens, segundo aponta o IBGE. Para cargos de gerência e comando, as diferenças salariais são ainda maiores. As maiores disparidades estão na região Sudeste, onde somente 34,7% dos cargos de gerência são ocupados por elas. A pesquisa do IBGE revela ainda que há mais mulheres com curso superior no Brasil que homens, ao menos na faixa etária entre 25 e 34 anos.
Foto: Agência Brasil
Mas mesmo sendo mais escolarizadas que eles, elas ainda enfrentam barreiras maiores na hora de se inserirem no mercado de trabalho e na vida pública. Somente 54,6% das mulheres entre 25 e 49 anos que tinham filhos, estavam empregadas no Brasil no ano de 2019 Para os homens na mesma situação, essa taxa era de 89,2%.
Mas se a nível de Brasil, o cenário não se apresenta como sendo dos melhores, ao menos a nível local, a situação começa a dar sinais de inversão. Segundo as estatísticas de gênero divulgadas pelo IBGE na semana passada, o Piauí é o único estado brasileiro onde as mulheres representam mais da metade das pessoas em cargos gerenciais.
Cerca de 53% das pessoas ocupadas em cargos de liderança no estado são mulheres. Todos os outros estados têm participação feminina em posição de gerência abaixo dos 50%. A média piauiense está acima inclusive da nacional, que é de apenas 37,4%. O estudo mostra ainda que, no Piauí, as mulheres também são maioria entre os docentes de ensino superior. De acordo com os dados, em 2019, cerca de 50,2% dos professores de universidade e faculdades piauienses eram do sexo feminino. Para se ter uma ideia, a nível de Brasil, só cerca de 46,8% dos docentes de ensino superior são mulheres.
A professora e pós-doutora em Comunicação, Juliana Teixeira, (foto abaixo) é uma das que fazem parte desta parcela da população de mulheres docentes de ensino superior no Piauí. Para ela, apesar de ser um dado confortante a nível local, de uma maneira geral, o que se revela é que a mulher precisa estudar muito mais que os homens para conseguir uma posição de destaque em sua carreira.
“Parece que a mulher tem que ir pro mestrado, pro doutorado para conseguir uma colocação que seja equivalente com relação aos homens. Elas têm muitas vezes que estudar mais para conseguir uma colocação no mercado e na própria docência. E muitas vezes dentro da própria universidade pública, a gente tem barreiras que impedem, por exemplo, que nós mulheres assumamos cargos mais altos”, pontua.
Juliana já foi vítima do machismo dentro do ambiente acadêmico. Ao assumir um cargo de liderança no departamento onde atua, ela chegou a ouvir de um colega de trabalho que as mulheres são emocionais demais. Para ela, falas com esta comprovam que a emoção que é atrelada à imagem da mulher ainda é considerada ponto negativo e incapacitante. Como se elas fossem impotentes de assumir cargos de maior poder e maior status por serem frágeis demais ou sensíveis demais.
“Eu reparo que não é só a mulher em si enquanto sexo que sofre esse tipo de preconceito. É uma questão da feminilidade. Eu percebo que não é um preconceito contra a mulher, mas contra tudo que é feminino. Parece que o masculino continua tentando se fazer predominante na sociedade, então tudo que é atrelado a ser feminino, como a emoção, por exemplo, é considerado algo menor, algo negativo e isso se reflete, principalmente, nas instâncias de poder”.
Jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestra pela Universidade Federal de Santa Catarina, doutora em Comunicação pela Federal da Bahia com co-tutela na Uiversidade da Beira Interior, em Portugal, Juliana é uma das provas de que a sensibilidade e emoção não são barreiras para a consolidação profissional da mulher. Pelo contrário: são qualidade necessárias que as tornam mais humanas e mais atentas a tudo.
“Eu acho que a minha trajetória mostra a importância disso tudo e do estudo de qualidade gratuito que a universidade vem oferecendo. Historicamente, o ensino nos foi negado, mas hoje nós temos essa possibilidade e estamos mostrando que podemos ter nossa independência se tivermos as mesmas oportunidades. Temos muito o que refletir e avançar ainda na luta pela igualdade de gênero? Temos, claro, mas podemos conseguir e a educação, aliada à nossa sensibilidade, são grandes armas”, finaliza Juliana.
“Tive que provar pra eles que eu era mulher, mas fazia o mesmo que eles”
Era 1994 quando dona Francisca Pereira, 45 anos, se mudou do Piauí para São Paulo para tentar uma vida melhor. Ela já foi lavadora de louça em lanchonete, já trabalhou em uma fábrica de salgados multinacional, já foi padeira e já chegou a dar plantão em três empregos diferentes para conseguir sustentar os três filhos.
A história dela se assemelha em alguns pontos à de muitas brasileiras país a fora. Aquelas mulheres que precisam se desdobrar mais, se esforçar mais, se mostrarem mais capazes para convencer a sociedade machista e preconceituosa de que ela pode, de que é capaz e de que, se tiver a oportunidade, faz bem feito. Natural de Oeiras, dona Francisca hoje é conhecida na cidade como “Fran Salgadeira” e, usando de suas habilidades e talentos na cozinha, conquista o respeito e o reconhecimento de quem consome seus produtos.
Dona Fran é salgadeira e dona do próprio negócio - Foto: Arquivo Pessoal
Mas a trajetória, ela frisa, não foi fácil. Dona Francisca já teve que largar um emprego, porque tinha filhos e a empresa não aceitava uma funcionária que não pudesse ter dedicação integral; já teve que literalmente meter a mão na massa para mostrar para os companheiros na cozinha que era capaz de fazer o mesmo trabalho que eles.
“Eu lembro que em 2008, quando fui de São Paulo para Brasília com meus três filhos, comecei a trabalhar em uma padaria e lá eu tinha que ser a chefe de uma turma de homens padeiros. Tive que meter a mão na massa e provar para eles que eu era mulher, mas fazia o mesmo trabalho que eles. Muitos não aceitavam e me julgavam, diziam que eu tinha que estar atrás do balcão servindo, e eu insistia em provar que era salgadeira”, relata dona Francisca.
"Tive que meter a mão na massa e provar para eles que eu era mulher, mas fazia o mesmo trabalho que eles. Muitos não aceitavam e me julgavam" - Dona Francisca Pereira
Em 2013, quando finalmente voltou para Oeiras, ela conta que foi chamada de “atrevida” por aqueles que não entendiam que ela só estava agarrando com unhas e dentes a oportunidade que a vida lhe dava: a de montar o próprio negócio e se tornar chefe de si mesma. Hoje, dona Francisca é proprietária de uma salgadaria, contabiliza mais de mil seguidores nas redes sociais e utiliza basicamente a internet como canal de venda de seus produtos.
Foto: Arquivo Pessoal
Mulher, trabalhadora que teve que se reinventar nos tempos em que se vive, e que mesmo diante de todas as dificuldades, nunca pensou em desistir. Pelo contrário: mesmo na crise, ela fala em ampliar seu negócio e, quem sabe, montar a própria fábrica de salgados.
“Não é simples ser dona do próprio negócio. Você tem que se preocupar com funcionários, compras de mercadorias, produção, atendimento, divulgação e entrega, mas mesmo assim ainda tem quem desconfie da sua capacidade e lhe julgue. Mas eu tive que aprender o seguinte: o mais importante é saberem o que eu faço e eu não desistir. Eu tenho muito orgulho da minha profissão”, finaliza dona Francisca.