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Empreendedores piauienses apostam na economia criativa e artística durante pandemia

A Economia Criativa, que corresponde a 2,61% do PIB nacional e 1,8% do total de empregos do país, foi uma das áreas mais afetadas pela pandemia e empreendedores piauienses buscam formas de viver através da arte

30/08/2021 12:33

Desde 2020, o setor econômico nacional vem sofrendo os impactos causados pela pandemia do Covid-19. No Piauí, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego atingiu cerca de 30 mil pessoas. Assim, muitas famílias se viram sem renda e empreender através da arte foi uma das maneiras que elas encontraram para lidar com a crise.

Ao escolherem a arte como base do seu negócio, muitos piauienses levaram em consideração que a Economia Criativa corresponde a 2,61% do PIB nacional e 1,8% do total de empregos do país, segundo dados da Firjan. 

A fim de apoiar as microempresas, em Teresina foi desenvolvido o Projeto Tecnologia Comercial e Criativa, que disponibilizou uma linha de crédito para alavancar os pequenos negócios e beneficiou cerca de 500 empreendedores da capital. Além disso, também foi criado o ‘Empreende Tech’, que funciona como uma vitrine virtual, no qual os empreendedores podem expor seus projetos gratuitamente.

O artista teresinense Danyllo Robson Ribeiro, de 23 anos, foi uma das pessoas que aproveitou o incentivo e viu no ‘Spray Art’, técnica artística que utiliza a tinta spray como matéria-prima, uma forma de sobrevivência. Utilizando telas como base, Danyllo cria lindos universos. Ele afirma que já conhecia a técnica desde 2018, mas começou a trabalhar profissionalmente com a arte apenas no final de 2019. 

O artista visual Danyllo Ribeiro cria lindos universos com tinta spray. Foto: Arquivo Pessoal

“No final de 2019, decidi criar uma loja online para divulgar as artes. Eu iniciei o ano de 2020 com várias ideias e projetos em mente, mas a pandemia chegou e tive que readaptar a rotina de produção dos quadros”, conta.

Abrir um empreendimento durante uma pandemia que ameaça os sistemas globais não é uma tarefa fácil. Danyllo Ribeiro explica que durante todo o processo surgiram e, ainda surgem, dificuldades com as quais precisa lidar como, por exemplo, a alta no preço dos produtos e a falta de determinados materiais no mercado.

“O preço de praticamente tudo vem subindo, principalmente das tintas. E ainda tem a questão dos materiais fabricados em outros locais, que estão demorando para chegar até onde moro”, comenta. 

O preço das tintas vem subindo em 2021. Foto: Reprodução/Free Pic

Além disso, por conta do isolamento social, as feirinhas de venda que o artista participava foram canceladas e ele precisou reaver o modelo de venda online, buscando aplicar conceitos do marketing e da publicidade, a fim de alavancar suas vendas. E funcionou!

“Não imaginava que iria vender tanto quanto eu vendi desde o início da pandemia.  Foram mais de 300 quadros produzidos através de encomendas pela loja online. É claro que a pandemia impôs muitas questões que dificultaram o meu trabalho, mas não me deixei abalar”, conta o artista. 

Obras de arte com tinta spray sob tela. Fotos: Arquivo Pessoal

Empreendedorismo e profissionalização 

Apesar dos diversos obstáculos que surgem para quem decide ser o próprio chefe, a iniciativa empreendedora é bastante valorizada no país. Segundo o relatório do Global Entrepreneurship Monitor 2020, 43,9 milhões de brasileiros são empreendedores. 

Devido à pandemia, o número teve uma drástica redução comparado ao ano de 2019, onde existiam 53,4 milhões de brasileiros empreendendo. Entretanto, segundo um levantamento feito pela Serasa Experian, em 2021 o Brasil bateu o recorde no número de novos negócios. Foram registrados 312.462 microempreendedores individuais (MEIs) no Brasil. 


Em 2020, Foram registrados 312.462 microempreendedores individuais (MEIs) no Brasil. Foto: Reprodução/Serasa Experian

No Piauí, uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apontou que em 2020 mais de 6.080 empreendedores tiveram um resultado positivo no faturamento durante a pandemia. Tal fato fez com que muitas pessoas investissem no seu empreendimento e realizassem a abertura de novas empresas, com registro de microempreendedor individual.

Com isso, a Junta Comercial do Estado do Piauí (JUCEPI) registrou a abertura de 4.094 empresas no primeiro semestre de 2021. Portanto, houve um crescimento de 84% comparado ao ano anterior.


A JUCEPI registrou a abertura de 4.094 empresas no primeiro semestre de 2021. Foto: Reprodução/JUCEPI

O artista Danyllo afirma que desde o início de 2020, vem profissionalizando a sua loja. Além de emitir nota fiscal, o artista também abriu seu registro MEI. “Decidi me cadastrar como microempreendedor individual logo no início da pandemia, pois sabia que precisava encarar o meu negócio como uma empresa de verdade”, diz. 

Felizmente, o governo federal tem diversas iniciativas para quem pretende abrir seu próprio negócio. O registro de microempreendedor individual pode ser feito de forma online e imediatamente o profissional recebe o CNPJ cadastrado na categoria escolhida. Além disso, o Sebrae oferece cursos gratuitos sobre assuntos voltados ao empreendedorismo, palestras e consultorias a fim de que os empreendedores possam tirar suas dúvidas. 

Francisco Neto, agente de consultoria que trabalha no programa 'Sebrae na sua Empresa'  no Piauí,  afirma que essa estratégia ajuda os empreendedores a entenderem as demandas e possíveis problemas que envolvem a gestão da microempresa. 

"O Sebrae Na Sua Empresa realiza atendimentos focados em apoiar a melhoria de performance da gestão dos pequenos negócios a nível nacional.  Funciona através da oferta de soluções focadas nos desafios de crescimento e desenvolvimento destes empreendimentos" explica. 

O consultor conta ainda que muitas pessoas se interessam pela iniciativa e que prontamente entram em contato com o Sebrae para obter orientação. "Uma vez que os clientes são orientados sobre as áreas críticas detectadas no diagnóstico, eles imediatamente entram em contato com o Sebrae, através dos canais que disponibilizamos em atendimento e solicitam agendamento das consultorias e cursos. Muitos no mesmo mês iniciam as implementações necessárias na gestão de suas empresas. E e este o objetivo", informa Francisco. 

No estado do Piauí, também foi disponibilizado o ‘Piauí Digital’, um portal online onde através do atendimento virtual,  o empreendedor tem acesso a informações sobre aberturas de empresas, além de serviços MEI. 

“Abrir um CNPJ me permitiu ter acesso à empréstimos em bancos caso precise, além de garantir direitos previdenciários e baixo custo mensal de tributos. Assim eu consigo resguardar a minha empresa de certos problemas e passo mais segurança aos meus clientes”, declara o artista Danyllo Ribeiro.

Pequenas empresas movimentam a economia local

As microempresas geram renda para as suas respectivas comunidades. De acordo com o IBGE, as empresas de pequeno porte representam cerca de 60% dos quase 100 milhões de empregos no país. Já no Piauí, o Sebrae aponta que os pequenos negócios geraram mais de 20 mil vagas de empregos no Estado no último ano. 

O artista Danyllo destaca a importância de comprar produtos de negócios locais, incentivando assim as pessoas a continuarem no ramo do empreendedorismo e não desistirem de ter o seu próprio negócio. 

“Quando eu compro uma tela na pequena papelaria do meu bairro e utilizo esse material na confecção de uma obra que será vendida por mim, estou fazendo a economia do meu bairro circular. A partir do momento que se compra de uma microempresa, você está ajudando alguém a realizar seus sonhos”, informa Danyllo.

Durante a pandemia, se não fosse pela criatividade e esforço dos brasileiros, muitos estariam sem renda. A situação de calamidade pública impulsionou muitos piauienses a abrirem o seu próprio negócio e irem em busca de seus ideais. A importância da iniciativa empreendedora, agora mais do que nunca, é de extrema relevância para a economia estadual e nacional. 

“Nosso trabalho principal e em tempo integral são as artes”, conta o artista Andrei Nunes

A Cactus Ink, uma microempresa de artes visuais piauiense, surgiu do amor à expressão artística que os arquitetos Cacau Ribeiro (29) e Andrei Nunes (30) sentem. A empresa foi criada em 2014, mas somente em julho de 2018 os artistas passaram a viver financeiramente da loja. 

“Nós somos arquitetos de formação, trabalhamos muito tempo em escritório e empresas na parte dos projetos e construções. Mas, desde 2018, a gente vive 100% do Cactus. Nenhum dos dois trabalha mais com arquitetura, embora a gente ainda estude algumas coisas dessa área, nosso trabalho principal e em tempo integral são as artes”, comenta Andrei Nunes. 

Andrei Nunes e Cacau Ribeiro personalizam peças e murais. Foto: Arquivo Pessoal

Os artistas, que exploram o regionalismo e trabalham com a personalização de murais, camisas e objetos, além de arte digital, inicialmente tiveram dificuldades em se verem como empreendedores, visto que o trabalho artístico é, muitas vezes, subjetivo e livre. 

Entretanto, Andrei conta que foi mais do que necessário passar a enxergar a empresa com profissionalismo, uma vez que o trabalho foi crescendo e tomando maiores proporções. 

“Devido às novas demandas que estavam surgindo para o Cactus, a gente precisou correr atrás de algumas coisas para profissionalizar mais o nosso trabalho. Começamos a pegar trabalhos maiores, com empresas ou instituições e elas exigiam, para fins fiscais, que a gente emitisse nota e etc. Então, criar um MEI é mais vantajoso”, explica.

Os artistas exploram o regionalismo nas suas artes. Foto: Arquivo Pessoal

Com o passar do tempo, os artistas expandiram seus trabalhos para além do município de Teresina e a Cactus Ink passou a ser reconhecida em todo o Piauí e em estados vizinhos, como o Maranhão. Essa ação se deu, em grande parte, pela iniciativa de divulgar os trabalhos digitalmente de forma mais assertiva, levando mais pessoas a conhecerem o trabalho de Andrei e Cacau.

Empreendedorismo digital

Segundo o Sebrae, a digitalização das empresas deixou de ser uma tendência e se tornou uma realidade para 66% dos pequenos negócios, especialmente durante a pandemia, que limitou o contato direto dos clientes com as empresas. No Piauí, boa parte das microempresas estão imersas no mundo digital, o que facilita tanto para o cliente, quanto para o empreendedor. 

A analista do Sebrae no Piauí, Lívia Melo, afirma que a venda online é fundamental para ampliar o faturamento da empresa. "Em alguns casos, a venda online foi de extrema relevância para manter as empresas no mercado, uma vez que os estabelecimentos precisaram  ser fechados por conta da pandemia. 

A especialista destaca que as vendas online tem crescido cada vez mais pela comodidade e praticidade.  "Tudo isso porque o comportamento do consumidor mudou. O digital está cada vez mais presente e com um alcance muito maior" finaliza. 

Neste cenário, o e-commerce, ou comércio eletrônico, tem crescido significativamente no Brasil. De acordo com dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), criar uma loja virtual está cada vez mais acessível aos empreendedores digitais brasileiros. 


O e-commerce vem crescendo desde 2020. Foto: Reprodução/ABComm

Mesmo durante a pandemia da COVID-19, as pequenas empresas não deixaram de lutar. De acordo com a segunda edição da pesquisa ‘O impacto da pandemia de coronavírus nos pequenos negócios', realizada pelo Sebrae, 5,3 milhões de pequenas empresas no Brasil tiveram que se readaptar e mudar o seu funcionamento. 

Andrei Nunes destaca que eles precisaram se reorganizar e divulgar variados produtos em suas redes sociais, já que não podiam sair para produzir murais, por exemplo. 

“Foram praticamente seis meses sem sair de casa e tivemos que nos adaptar e montar um sistema de venda online e delivery. Nessa época, a gente começou a focar na personalização de objetos de barro e madeira. Dá até para ver essa mudança no nosso Instagram, deixamos de postar fotos de murais [pois não havia produção] e passamos a postar só os produtos”, comenta. 

Peças personalizadas pelo Cactus Ink. Foto: Arquivo Pessoal

Os empreendedores afirmam ainda que vendem suas artes através de um site que comporta variados artistas, e mesmo o retorno não sendo tão grande, ainda é de muita valia. "Pretendemos abrir um site próprio futuramente, para conseguir atender toda a galera que gosta do nosso trabalho”. 

Com o retorno gradativo do comércio presencial, os artistas montaram seus próprios protocolos e medidas de segurança contra a COVID-19, priorizando apenas trabalhos residenciais e evitando contato com muitas pessoas. 

“Se o local estivesse em obra, nós pedíamos para trabalhar em horários diferentes do resto da equipe, para evitar aglomerações. Então íamos à noite ou nos finais de semana e, aos poucos, a gente se sentiu mais seguro para voltar a pegar trabalhos comerciais”, explica Andrei Nunes. 

Intervenção artística feita pelo Cactus Ink em Amarante, no Piauí. Foto: Arquivo Pessoal

“Podem nos chamar de empreendedores no ramo artístico”

Andrei e Cacau exploram a linha tênue entre ser artista e empreendedor e constroem esse elo com muita cautela e afeto. O casal conta que a arte é o que os sustenta atualmente, e que paga seus boletos no final do mês.

“Acho que podem nos chamar de empreendedores no ramo artístico. Porque a arte é o objeto do nosso trabalho. Também nos vemos como artistas plásticos que querem expor seu trabalho e lutamos diariamente para continuar vivendo disso, mantendo a arte como nosso trabalho principal”, afirmam. 

"A arte é o objeto do nosso trabalho". Foto: Arquivo Pessoal

No enfrentamento à pandemia, as  microempresas demonstram a força e resiliência brasileira. A Cactus Ink, assim como diversos outros pequenos negócios, se mostraram fortes e corajosos. Por trás de cada um deles, existem verdadeiros empreendedores lutando para que seus negócios continuem crescendo, mesmo diante das milhares de dificuldades impostas pelo vírus. 

 

Edição: Isabela Lopes
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