Amar alguém que nem sabe que você existe, chorar e sofrer junto com uma pessoa como se ela fosse íntima, ficar eufórico a cada nova foto ou notícia divulgada e compartilhar isso com pessoas que sentem exatamente a mesma coisa que você. São muitas as definições para a palavra “fã”. O termo deriva do inglês “fanatic” (fanático, em português) e designa uma pessoa dedicada a expressar sua admiração por alguém, por um grupo, atividade ou ideia, ou até mesmo um objeto inanimado.
O fenômeno do fanatismo, ou seja, a ação própria dos fãs, ganhou atenção especial nas redes sociais durante a última semana, principalmente por conta da chegada do cantor canadense Justin Bieber ao Brasil, onde fará uma série de shows da turnê de seu novo álbum. São histórias de fãs que passaram meses acampados nas portas das arenas onde o cantor se apresenta, grupos, em sua maioria de adolescentes, se revezando para não perder o primeiro lugar na fila, combinando estratégias para conseguir chegar perto de seu ídolo e, principalmente, acompanhado cada passo do cantor pelas redes sociais.
Para a psicologia, o fanatismo é o vínculo de admiração, às vezes doentio, que algumas pessoas criam com as outras. Esse sentimento tem origem a partir do momento em que o fã começa a ver em algo ou alguém a representação de poder e autoconfiança que ele quer ter para si.
É o que explica o psicólogo Dênis Barros. “As pessoas precisam concretizar os seus desejos e materializar uma representação daquilo que é abstrato. Então se meu ídolo tem autoconfiança, ele representa isso pra mim, eu concretizo nele a autoconfiança, o vejo como sinônimo daquilo. Do mesmo jeito, se ele tem fama, se ele simboliza beleza e eu, internamente desejo isso, tenho como algo subjetivo, eu começo a idolatrá-lo”, explica o psicólogo.
Psicólogo Dênis Barros (Foto: Elias Fontinele / O DIA)
A própria palavra “ídolo” já traz um sentido de adoração e empoderamento. Esse poder, na verdade, é algo criado pelos próprios fãs, que enxergam no objeto de sua adoração, uma espécie de “ser superior” e livre de imperfeições. No entanto, a partir do momento em que um fã começa a se anular diante da figura de seu ídolo, o que era apenas admiração passa a ser visto como indício de sentimento doentio.
Conforme explica o psicólogo Dênis Barros, quando um fã começa a ter alterações na rotina a ter dificuldades de concentração em atividades simples, isto pode estar relacionado à idolatria. Deixar de comparecer a compromissos sociais e colocar seu ídolo sempre em primeiro plano são sinais de que a própria subjetividade está alterada devido a admiração ao outro. “É preciso ter cuidado, porque ídolos representam para os fãs a perfeição, o poder, a beleza, e no caso de isso ser quebrado, essa admiração ser golpeada de alguma forma, isso pode ocasionar problema sério no psicológico. É sadio ser fã quando se mantém sua subjetividade intacta. A idolatria, a partir do momento que mexe com o eu do fã, já se torna preocupante”, afirma.
Preconceitos
Ser fã é também conviver com as críticas por parte dos que não conseguem ver um sentido em todo aquele amor ou na euforia diante da chance de conhecer seu ídolo pessoalmente. O piauiense Márcio Brytho, fã da Xuxa, é só animação ao falar da coleção que possui de pôsteres, álbuns de fotos, cd’s e inúmeros arquivos de vídeo da eterna Rainha dos Baixinhos. A paixão começou quando ele ainda era criança e assistia todas as manhãs o programa da apresentadora na televisão. Desde então, ela se tornou uma espécie de refúgio para ele, um objeto de admiração sem igual e um modelo a ser seguido.
Mas nem sempre foi fácil para Márcio externar esse sentimento de fã. Ele conta que era comum (e ainda continua sendo) ouvir as pessoas dizerem que gostar da Xuxa era coisa de menina e não de menino. “Eu sempre fui discriminado por dizer que gostava dela. Eu acho que nós vivemos num mundo em que demonstrar carinho pelas pessoas é visto com maus olhos. É mais fácil você falar mal que dizer que gosta, que ama”, afirma.
Márcio lembra que era comum seus pais lhe mandarem comprar algo ou lhe pedir ajuda nos afazeres de casa justamente na hora do programa de Xuxa. “Ah, era sempre uma briga. Eu sentava na frente da TV e esquecia tudo olhando pra ela”, ele conta sorrindo.
Fã que é fã dá um jeitinho
Vindo de uma família humilde do município de Prata do Piauí, Márcio teve dificuldades para conseguir comprar produtos relacionados a Xuxa. Num período em que ainda não havia as redes sociais para diminuir as distância entre ídolos e fãs, ter fitas, revistas, recortes de notícias de jornais eram a forma que os fanáticos tinham de acompanhar a carreira dos artistas que gostavam.
Mas fã que é fã dá sempre um jeitinho. E era o que Márcio fazia. Ele conta que pegava as fitas cassete de seu pai escondido, pedia emprestado de seus amigos os discos da Xuxa e levava para poder gravar por cima do conteúdo original. “Ele ia procurar para ouvir e quando começava a tocar as músicas dela, era sempre uma confusão”, Márcio recorda.
Ele conta ainda que saía catando goiaba no quintal de sua casa para poder trocar por fotos e revistas da Rainha dos Baixinhos. O melhor presente que alguém poderia lhe dar era uma revista com fotos e matéria sobre Xuxa. “Eu tinha uma prima que colecionava material dela e também era fã. Ela mandava para mim umas coisas. Eu preferia duas páginas de Xuxa, do que qualquer outro presente de aniversário”, conta.
Para conseguir comprar o primeiro CD de Xuxa, Márcio teve que tirar do dinheiro que sua mãe lhe dava para o lanche na escola. Ele lembra que passou um mês sem comer nos intervalos da aula para juntar o valor necessário e adquirir o álbum. Para poder ouvir o CD, Márcio tinha que esperar o dia da visita às casas dos familiares. “Eu pedia pra botar, ficava quietinho, ouvindo, e depois que terminava, eu ia lá com todo o cuidado e guardava de volta na caixinha”.
Em 2013, Márcio Brytho conseguiu realizar seu sonho de conhecer pessoalmente a Rainha dos Baixinhos. Para ele, o encontro que teve com Xuxa nos estúdios de seu programa no Projac foi uma forma de mostrar para aqueles que sempre lhe discriminaram por seus gostos, que nada é impossível para quem tem determinação e foco.
O encontro se deu na ocasião do aniversário de 50 anos da apresentadora. Márcio lembra que gastou uma pequena fortuna para conseguir chegar perto de seu ídolo, mas teve o apoio de alguns amigos que sabiam o quanto aquilo significava para ele e lhe ajudaram financeiramente nas passagens e da hospedagem no Rio de Janeiro. “Foi uma corrente de carinho que se estendeu de uma pessoa para outra e quando eu vi, estava lá, diante dela, participando da gravação do programa. No começo eu fiquei anestesiado, mas depois de meia hora, quando eu vi a foto que tinha feito com ela, comecei a chorar. A emoção aflora”, ele descreve a cena.
Redes sociais aproximam fãs e ídolos
Pôsteres substituídos por coleções infindáveis de fotos armazenadas na nuvem, prints de redes sociais no lugar de recortes de jornais e revistas, curtidas, compartilhamentos e comentários ao invés das cartas... E quando seu ídolo comenta algum post então... euforia. E prints, claro, para mostrar aos outros fãs que você foi visto em meio à multidão.
Ao longo dos anos, com a modernização das tecnologias digitais, essa relação fãs-ídolos se reconfigurou e as distâncias se tornaram mínimas. Tudo ao alcance de um clique nas redes sociais. É assim que os fã clubes (hoje chamados “fandoms” – do inglês Fanatic Kingdom ou “reino dos fãs”) acompanham passo a passo a vida de seus ídolos.
É o caso da estudante Juliana Lima, 14 anos. Fã da cantora americana Melanie Martinez e do ator brasileiro Rafael Vitti, a adolescente confessa que passa horas na frente do celular acompanhando o que seus ídolos fazem pelas redes sociais. E a interação com outros fãs é inevitável. “Nós compartilhamos muitas fotos deles, vídeos, ficamos de olho nas atualizações, nos flagras. É como se fizéssemos parte do dia-a-dia deles”, diz a adolescente.
E os ídolos também usam essas plataformas para divulgar seu trabalho. Canais no Youtube, páginas no Instagram e Facebook trazem atualizações quase instantâneas sobre lançamento de músicas, participações em filmes e muitas outras coisas. Tal aproximação contribui de forma considerável para mostrar o quanto humanos são esses ídolos.
Por: Maria Clara Estrêla