Terminou em discussão a sessão da Comissão de Constituição e Justiça desta terça (21) na Assembleia Legislativa do Piauí. Representantes dos médicos obstetras e defensoras dos direitos das mulheres e das doulas tiveram um bate-boca durante a sessão que apreciaria a revogação da Lei do Parto Humanizado. A matéria deverá ser votada somente na próxima semana e pode anular o PL que estabeleceu diretrizes para o combate da violência obstétrica e a participação das doulas durante o processo de parto.
Durante a discussão, a diretora financeira do Sindicato dos Médicos do Piauí (Simepi), Dra Lúcia Santos, tratou o projeto de lei como algo que visa o “financeiro”, insinuando que as doulas desempregadas estão em busca de uma oportunidade de emprego.
“Em outro momento, a deputada Teresa Britto [autora da lei] senta com as doulas e os defensores para construir algo que contente o mercado de trabalho para elas. Todo o problema aqui é o financeiro. Trata-se de mercado financeiro para pessoas que estão no momento desempregadas, que não tem uma ocupação, e estão em busca de mercado financeiro”, disse a médica.
Dra Lúcia Santos, do Simepi. (Foto: Tarcio Cruz)
Ainda segundo a diretora do Simepi, “a lei das doulas está causando uma exasperação muito grande por parte das senhoras dessa ocupação. O que na verdade precisamos dizer é que é uma briga por reserva de mercado, uma ganância grande porque sequer pensam nas gestantes”, e que não há uma entidade que fiscalize a profissão das doulas, diferentemente do que ocorre com outras classes regulamentadas, que são pautados no Código de Ética Médico e na relação médico paciente.
“Nós, médicos, não vamos aceitar interferência no ato obstétrico e estamos bem tranquilos. Não estamos disputando com doulas, estamos lutando pela assistência adequada para essas gestantes. Trabalhamos pela revogação total da lei, pois consideramos um equívoco, que interfere no ato obstétrico”, completa a diretora do Simepi, Lúcia Santos.
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Tatiana Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, participou da discussão e contou que foi agredida verbalmente por uma médica ao ser questionada sobre sua ocupação. De acordo com a representante do movimento em defesa das mulheres e das doulas, a agressão se deu após ela apresentar cartazes alusivos à violência obstétrica.
“A agressão começou porque eu levei cartazes com frases e imagens de violência, e as médicas presentes dizendo que não havia violência. Fui acusada de inúmeras coisas. Ser doula não é um crime, mas fui chamada inclusive de doula, e uma médica obstetra, ao me perguntar qual era minha profissão, quando eu disse que estava desempregada, ela me chamou de prontamente, verbalmente e vociferalmente de va*******, como se não trabalhar e ser desempregada em um país que tem milhões de desempregados, principalmente mulheres, como se fosse um defeito ou erro, e ela disse que eu tinha que me ocupar [sic]”, relata.
Tatiana Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Foto: Tarcio Cruz/ODIA)
Tatiana Seixas comentou que as mulheres que buscam o Sistema Único de Saúde (SUS) são, em sua maioria, pobres, que não têm emprego, e reforça o que caracteriza-se a violência obstétrica. “Não é só o corte na vagina, não é só sentar em cima da barriga da gestante para ela expulsar o bebê. É fazer elas andarem de centro em centro de parto, porque não tem nenhum perto da casa dela. A violência obstétrica é a mulher pedir anestesia e o médico achar que sabe mais do que a mulher sobre a dor que ela sente”, frisa.
“Nos parece que o grande incômodo da categoria é de não ser sobre eles. Essa lei é fundamentalmente sobre as mulheres, e deve ser muito difícil para uma categoria, acostumada a ser o centro da saúde, não estar no centro de uma lei. O problema não é sobre doulas, elas são um bode expiatório, porque em nenhum momento a lei obriga a existência de doulas, ou que elas serão pagas pelo SUS, nem que vão realizar partos. O que eles não querem é admitir que exista uma legislação que reconheça a violência obstétrica e que crie mecanismos para denúncias e enfrentamento”, concluiu a presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher.
O deputado estadual Marden Menezes (Progressistas), que pediu a revogação da lei, se manifestou durante a sessão, que contou com representantes da sociedade, profissionais da saúde e demais categorias.
“Não houve uma discussão formal, houve apenas manifestações da sociedade na sala da CCJ, isso é normal. É uma matéria polêmica, que interfere nas atribuições e responsabilidades das categorias, na regulamentação do próprio SUS, aborda temas relevantes, como é o caso da violência contra a mulher e do abordo. É uma legislação que deveria ter tido uma ampla discussão com a sociedade antes de tramitar, o que não houve, e todo esse debate, de certa forma, é válido para que os parlamentares possam fazer seu juízo de valor e análises em relação sobre a matéria que está sendo discutida”, disse.