Quando o período chuvoso inicia, começa também a preocupação com o risco de alagamento em alguns pontos da capital do Piauí. Em determinadas ruas de Teresina, as águas chegam até a arrancar parte do calçamento, além de causar prejuízos à população. Na zona Leste de Teresina, por exemplo, a promessa de construção de uma galeria se arrasta por cinco anos. A obra, que faz parte do Plano de Drenagem e seria uma das principais medidas para solucionar o problema de alagamento na região, chegou a ser iniciada em outubro de 2012, mas apenas 10% da obra foi feita, tendo sido interrompida por diversas vezes.
Enquanto isso, os moradores e comerciantes daquela região precisam conviver com os prejuízos e transtornos causados pelas águas, além do receio de desmoronamento dos imóveis. Uilson Amanso de Assunção, de 58 anos, é proprietário de um bar localizado na Rua Herbert Parentes Fortes, no bairro São Cristóvão, um trecho que concentra bastante água vinda de outros bairros da região. Segundo ele, os moradores que residem nesta rua ficam bastante apreensivos devido ao volume das águas e a situação preocupa a população todos os anos com a chegada do período chuvoso.
Uilson afirma que a força
das águas arrasta até o
aterro de um terreno baldio
no bairro São Cristóvão. (Foto: Moura Alves/O Dia)
Ainda de acordo com o comerciante, muitos já se acostumaram com as cenas que presenciam a cada inverno. “Para nós, que somos acostumados com grandes enchentes, ano passado até foi menos intenso o inverno. Na minha casa, já entrou água umas duas vezes, cerca de 40 cm, há uns dois anos. Todo ano é a mesma coisa e a gente sempre acha que pode acontecer de novo”, descreve Uilson.
Alternativas
O comerciante conta que costuma colocar placas de ferro na entrada dos portões, além de ter colocado uma mureta na porta do estabelecimento, afim de evitar que a água ultrapasse. Apesar disso, ele enfatiza que os meios utilizados não evitam que o imóvel seja invadido. Próximo ao ponto comercial, há um terreno baldio por onde escorre a correnteza. De acordo com Uilson Amanso, tratores contratados pela Prefeitura costumam aterrar o local, porém, a medida não resiste à primeira enxurrada, vez que a força da água é muito intensa.
Para o comerciante,
a única intervenção que
solucionaria o problema de
escoamento seria a construção
da galeria da zona Leste,
que está parada há anos.
“Melhoraria se colocassem
a galeria que tanto prometem.
Eu moro aqui há sete anos e
nunca ficou pronta. Essa seria
a solução para que as ruas
não ficassem alagadas. A gente
fica apreensivo de alguém
ser arrastado e até pelas casas,
que são antigas e não têm
boa estrutura. Pode ser que a
terra vá amolecendo e a casa
caia. Graças a Deus, nunca
aconteceu, mas a gente tem
medo”, fala Uilson Amanso,
preocupado com a situação
das chuvas deste ano.
Ruas de Teresina alagam com a chuva. (Foto: Assis Fernandes/O Dia)
Águas chegam a mais de um metro de altura
Outro ponto crítico, ainda na zona Leste de Teresina, é na Avenida Pedro Almeida, também no bairro São Cristóvão. O local é um dos mais prejudicados pelas águas, que chegam a mais de um metro de altura. No último ano, os moradores presenciaram diversos carros sendo arrastados pelas águas, além de casas sendo invadidas pela chuva e lama, causando pânico na população.
O médico aposentado Raimundo José Fortes reside na rua há 40 anos e foi um dos primeiros moradores a se mudar para o local. Ele conta que, na época, comprou o imóvel, mas não sabia que o local era ponto de encontro de água na região. “Quando eu mudei para cá, chovia, mas não chegava a alagar. Mas, depois de alguns anos, aqui passou a ser o encontro das águas que vinham de bairros mais altos. A água já subiu cerca de 1,50m. As pessoas que moravam aqui, na minha época, venderam as casas porque não aguentavam o prejuízo. Eu mesmo comprei sem saber que aqui era uma área que alagava”, lembra.
Para evitar que a água entre em sua residência, Raimundo José adaptou seu portão e colocou placas de ferro com borrachas que vedam a passagem das águas. Contudo, devido ao grande volume, a enxurrada acaba invadindo o imóvel, chegando a atingir mais de 1 metro de altura, comprometendo móveis e deixando a família do médico apreensiva. “Quando eu mudei para cá, o muro era baixo e coloquei uma grade de proteção, mas como foi alagando, eu fui aumentando o muro e subindo a grade. Hoje, o muro tem quase 1m de altura e, na última chuva, a água ultrapassou. Eu coloco uma borracha entre o portão para vedar e evitar que entre água, mas, mesmo assim, ela entra. Em meia hora, a água sobre muito”, pontua.
Raimundo José mostra a
altura em que a água chega
em sua casa e, por isso, já
perdeu muitos móveis. (Foto: Moura Alves/O Dia)
O morador conta ainda
que aguarda a construção da
galeria da zona Leste há cerca
de 15 anos. Enquanto isso,
vem sofrendo constantemente
com as enchentes e perdas
materiais. O médico aposentado
lembra que todos os
anos precisa pintar sua residência
devido às manchas
que ficam e que revelam a
altura das águas e lama.
Móveis adaptados
Além disso, seus móveis
também foram mudados e
adaptados para esta situação.
Ele explica que utilizava mó-
veis feitos de madeira; contudo,
as peças foram sendo
danificadas e destruídas ao
longo dos anos.
"Eu já perdi tantos meus
móveis que hoje eu só tenho
móvel feito de ferro, mármore
ou vidro, porque os
de madeira já se acabaram.
A minha casa quase não tem
nada, porque, quando chove,
é muito rápido e não dá tempo
de subir tudo [os eletrodomésticos]",
fala.
Comerciantes lamentam perda
Outro local que também sofre com a forte enxurrada é o trecho entre a Avenida Homero Castelo Branco e a Rua Eustáquio Portela, ainda no bairro São Cristóvão. A via é um dos corredores do intenso volume de água que vem de bairros mais altos e, quem trabalha por ali, conhece bem o impacto e os prejuízos que a correnteza causa.
O mecânico José Romário dos Santos trabalha no local há apenas um ano, mas já sentiu a força das águas e os transtornos que elas provocam. Ele, que trabalha em uma borracharia, lembra que, no último ano, presenciou pneus sendo arrastados pela correnteza por muitos metros.
Céu "bonito pra chover" em Teresina. (Foto: Arquivo/O Dia)
Além de pneus, carros também já foram levados com bastante facilidade, devido à força das águas. "Ano passado, eu estava aqui quando começou a chover e a água invadiu a borracharia e arrastou os pneus. A gente amarra os pneus, coloca calços, porque já chegamos a perder alguns, mas não adianta muito", fala.
Para evitar perdas este ano, a borracharia contratou um funcionário para ficar de plantão em horário especial, afim de garantir que os produtos estejam protegidos em caso de chuva. "Nós fechamos às 17h, mas durante o inverno, deixamos uma pessoa de plantão, para se chover, ela guardar os pneus, porque as águas sobem rápido e se não ficar de alerta, é pego de surpresa", acrescenta José Raimundo.
Para o mecânico, o transtorno seria solucionado se a galeria que corta boa parte dos bairros da zona Leste fosse concluída. Ele pontua que a obra foi iniciada, mas está parada por anos. Enquanto isso, moradores e comerciantes sofrem com os problemas causados pelas chuvas todos os anos.
Galeria aguarda nova licitação
Com relação à construção da galeria da zona Leste, que está parada há anos, a Superintendência de Desenvolvimento Urbano Leste (SDU/ Leste) informou que a obra faz parte do projeto operacional de execução das galerias da região. A obra, que foi reiniciada na gestão atual, teve cerca de 700 metros de todo o canal aberto executado, mas por desistência da empresa contratada para realizar a obra, os serviços tiveram de ser paralisados.
No momento, a SDU/
Leste explica que a construção
da galeria se encontra em
fase de licitação e aguarda a
análise das propostas para
definir uma nova empresa
responsável para dar continuidade
à obra. A SDU/
Leste disse ainda que são
realizados, periodicamente,
os serviços de limpeza e desobstrução
dos bueiros da
região a fim de facilitar a passagem
da água e minimizar
os transtornos.
Chuvas arrancam calçamento no Torquato Neto
O Residencial Torquato Neto, localizado na zona Sul de Teresina, foi entregue em 2013. No local, residem principalmente famílias que moravam em áreas de risco e fazem parte do projeto Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal. Porém, apesar do residencial ter sido entregue novo, a estrutura deixa a desejar, sobretudo com relação ao escoamento das águas da chuva. Assim que as primeiras chuvas iniciaram, do final de 2017 para o início deste ano, parte do calçamento foi danificado e levado pela correnteza.
A Superintendência de Desenvolvimento Urbano Sul (SDU/Sul) chegou a refazer o calçamento da via, mas não foi suficiente para resistir às chuvas seguintes. Desde então, algumas vias estão intrafegáveis, com enormes buracos e mato, obrigando que os moradores desviem por outras ruas para conseguirem ter acesso ao bairro. A dona de casa Maria Helena Pereira de Oliveira mora no Residencial há quatro anos e conta que o volume de água é bastante intenso quando chove, chegando a subir quase 1 metro, sobretudo na rua onde fica localizada a quadra Q.
Sem a devida infraestrutura de
drenagem, ruas chegam a ficar
isoladas na zona Sul. (Foto: Moura Alves/O Dia)
A moradora cita que o local fica intrafegável e causa muitos transtornos, danificando o calçamento e deixando a população apreensiva. “A rua que passa na frente da minha casa fica impossível de passar, porque a correnteza é muito forte e fica muito alta, cobrindo a calçada, então como a gente não consegue ver onde pisa, corre o risco de cair. Na verdade, isso acontece na maioria das ruas do Torquato Neto, porque não tem galeria para escoar tanta água, o que acaba danificando muitas ruas”, fala a moradora.
Ela lembra que, quando o Residencial foi entregue, a estrutura era apropriada, mas logo nas primeiras chuvas, os estragos começaram a aparecer. Na época, equipes da SDU/Sul chegaram a ir ao local para fazer reparos, mas nas chuvas seguintes, o calçamento foi arrancado novamente. Em 2016, a rua ficou completamente destruída e, desde então, não foram feitos mais reparos. “Quando chove, não tem como a gente passar, então quem precisar ir para a outra quadra tem que dar a volta por outra rua, porque não têm condições de seguir na mesma via. Todo mundo é prejudicado, porque precisa andar mais, porque não consegue andar com seu carro na rua, e também a gente fica com receio de acontecer algum acidente”, frisa.
Ruas estão intrafegáveis. (Foto: Moura Alves/O Dia)
A dona de casa Maria Augusta
Alencar Bacelar também
reclama das péssimas
condições das ruas do Residencial
Torquato Neto.
Na quadra E, por exemplo,
o estrago é tão grande que
um quarteirão inteiro está
completamente isolado. Isto
porque o calçamento cedeu
e a rua foi tomada por terra e
entulho, com altura de quase
30 cm.
“Essa rua é a pior de todas,
porque não dá para passar
é de jeito nenhum. E quando
chove, o volume de água
corre todo para lá, o que dificulta
ainda mais, porque as
pedras são arrastadas. A gente
tem medo quando chove,
porque a água fica muito
forte e tem medo de alguma
criança ser levada. Uma vez
um senhor foi tentar passar
de bicicleta e quase foi levado,
imagina uma criança que
é pequena”, finaliza.
Algumas vias estão intrafegáveis,
com enormes buracos
e mato. (Foto: Moura Alves/O Dia)
Para sair do papel, obras precisam de recursos federais
Em 2012, a Prefeitura Municipal de Teresina concluiu o Plano de Drenagem da cidade, que definiu as diretrizes que seriam tomadas e as obras prioritárias para resolver os problemas de drenagem de águas fluviais. Segundo Ítalo Portela Gomes, engenheiro e secretário executivo de Captação de Recurso da Semplan, a partir do plano diretor, foram identificadas algumas bacias prioritárias. Além da galeria da zona Leste, foram localizadas mais oito bacias, sendo duas na zona Leste, quatro na zona Sul, duas na zona Sudeste e a da região do Lagoas do Norte, onde já existe projeto. “Em 2013, captamos recursos para poder desenvolver os projetos, fizemos a licitação em 2014 e estamos em execução dos oito projetos nas mais diversas localidades de Teresina”, disse.
Segundo Ítalo, em 2016, foi solicitado que a empresa que estava desenvolvendo os projetos dessas bacias de Teresina priorizasse a que fica localizada na região do Portal da Alegria, na zona Sul da cidade, afim de elaborar medidas que minimizassem os prejuízos nos bairros mais críticos, como o Torquato Neto. De acordo com ele, a minuta do plano foi encaminhada para a Caixa Econômica Federal e está bem adiantada, com previsão de que em 45 dias o projeto executivo do Portal da Alegria esteja concluído.
Obras de galeria na zona norte de Teresina. (Foto: Arquivo O Dia)
“Paralelo a isso, estamos tentando capitar recursos, junto ao Governo Federal, para executar parte das obras do Torquato Neto, mas não temos uma previsão, de fato, quando as obras irão começar”, fala. Ítalo Portela enfatiza ainda que, com base em um levantamento feito pela SDU/Sul, com relação ao quanto foi gasto com reparos e manutenção da região do Portal da Alegria e do Torquato Neto, mostra que os custos foram elevados.
Entre os anos de 2014 a 2016, foram gastos mais de R$ 1,2 milhão com calçamento, contrato de máquina para fazer terraplanem, asfalto, entre outros, devido aos estragos causados pela chuva. “Apesar dessas medidas, o problema só será resolvido, de fato, com a macrodrenagem na região. A Prefeitura de Teresina não tem como desenvolver com recursos próprios, porque o projeto de drenagem de toda essa cidade supera R$ 4 bilhões e é um valor muito alto”, enfatiza.
Chuvas devem continuar até maio
A preocupação da população com a chegada do período chuvoso não é em vão. Segundo a Meteorologia, essa semana que passou foi a mais crítica, com dias bastante chuvosos em quase todo o Piauí. Outros municí- pios piauienses também estão tendo bastante dias chuvosos, sobretudo na região Centro-Oeste e Sudeste. “No extremo Norte e extremo Sul, vai ter algumas chuvas, está aumentando, estão se concentrado no mês de janeiro e as chuvas devem continuar até maio”, fala a meteorologista Sônia Feitosa.
Com relação a Teresina, a especialista pontua que em alguns bairros tendem a chover mais que nos outros, principalmente os que ficam mais próximos aos rios, devido à umidade. “Na região e nos municípios que ficam mais perto do Rio Parnaíba, chove mais mesmo devido à umidade que vem da Amazônia. Quando vai se aproximando do Leste e Nordeste do Ceará, daquela região perto de Pernambuco, aí há predominância de massa de ar seco, então perde mais influência da umidade da Amazônia. Às vezes, acontece, por exemplo, de chover mais no Mocambinho do que no bairro de Fátima, mas no outro dia, acontece o inverso”, fala.
As chuvas, no extremo Sul
do Estado, devem acabar primeiro.
Já no extremo Norte,
deve encerrar mais tarde e se
estender até maio.