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Jovens da zona Rural enfrentam desafios na busca por melhores perspectivas

Acesso à educação, saneamento, emprego e lazer são critérios que colocam em lado opostos uma mesma Teresina.

24/02/2018 09:20

Mais de 30 quilômetros separam o burburinho do Centro de Teresina, onde milhares de pessoas se cruzam sem mal se ver, até o pacato Assentamento Angolar, na zona Rural da Capital. Mas muito mais que a distância geográfica, as duas realidades são separadas pelo conjunto de oportunidades que oferecem. Acesso à educação, saneamento, emprego e lazer são critérios que colocam em lado opostos uma mesma Teresina. E para um grupo, em especial, esse cenário se torna alvo de desafios constantes. Ser jovem, na zona Rural de Teresina, é um ato de persistência.

Jovens da zona Rural enfrentam desafios na busca por melhores perspectivas. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Para Renata Oliveira, de 22 anos, por exemplo, a persistência tem um norte principal: buscar emprego. Desde quando terminou o Ensino Médio, em 2014, ela busca inserção do mercado de trabalho. Uma missão nada fácil de concluir. 

“Eu já deixei meu currículo em muitos lugares, mas é difícil das pessoas abrirem oportunidade. Nunca perdi a esperança, porque, como dizem, ela é a última que morre, então minha meta é não desistir”, comenta.

Renata é uma das mais velhas do grupo de cerca de 15 jovens que relataram um pouco das dificuldades tão incômodas pelas quais são confrontados, todos os dias, os jovens da zona Rural de Teresina.

Da comunidade Angolar, criada desde 2006, onde 25 famílias foram assentadas, nenhum dos jovens conseguiu adentrar no ensino superior público do Piauí. Mas o sonho de ter uma formação é meta na vida de muitos.

Estrutura

A Escola Municipal Areolino Leôncio da Silva é o local que dá base para o acesso ao conhecimento de todos os jovens do assentamento, mas dificuldades estruturais prejudicam o aprendizado. Naquele dia, por exemplo, não iria ter aula por conta de falta de energia que já durava mais de um dia em toda a região.

“Há dias que o carro que pega a gente quebra e não dá para ir para a escola ou também atrasa e a gente perde alguma aula”, relata Isaias Oliveira.

Além do transporte escolar nem sempre eficiente, de forma geral, locomover-se dentro e fora da comunidade não é das mais simples escolhas. Isso porque apenas um ônibus faz linha da região ao Centro de Teresina. “A passagem custa R$ 4,50. Não sai nada barato ir a Teresina”, comenta Renata. 

A linha atende outras localidades na região de segunda a sábado, em três turnos diferentes. No domingo, uma ida à zona urbana de Teresina só é possível com transporte particular. E é essa inacessibilidade um dos principais empecilhos para a garantia de empregos ou busca por uma educação de maior qualidade em outras zonas da Capital. 

Destinos que se transformam

‘Como nossos pais’ é uma canção de grande sucesso da música popular brasileira. Composta por Belchior e brilhantemente interpretada por Elis Regina, a canção explicita em uma de suas estrofes a seguinte frase: “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Apesar do contexto e peso poético em que se baseiam os versos, é possível dizer que, na zona Rural de Teresina, uma das muitas mudanças perceptíveis é que os jovens têm transformado o próprio destino e, visivelmente, já não vivem como os próprios pais.

A família Oliveira, como muitas outras da localidade, é prova dessa mudança. Pais de oito filhos, Antônia e Antônio não tiveram oportunidade de serem alfabetizados e, durante toda a vida, têm se dedicado ao trabalho de roça como forma de sustento de toda a família. Os filhos do casal, no entanto, começam a quebrar o ciclo. 

É o caso de Isaias Oliveira, de 16 anos. O jovem é um dos poucos filhos que ainda se dedica ao trabalho de campo, mas tem no verdadeiro foco de vida o sonho de cursar Engenharia Mecânica na Universidade Federal do Piauí. “Espero estudar e conseguir passar este ano, é meu grande sonho”, relata.

O senhor Antônio enche o peito ao ver o filho reafirmar o que busca para si. É que apesar de ter faltado conhecimentos que só poderiam ter sido adquiridos em sala de aula, Antônio é ‘expert’ em conhecimentos de vida. “Nenhum pai quer ver filho em ‘pé de toco’. Um pai só pede bondade para o filho e é isso que eu quero para os meus, vê eles estudando e sendo boas pessoas”, afirma.

A missão tem sido cumprida com sucesso, porque até o mais novo dos filhos do simples casal já sabe ler e escrever e frequenta, diariamente, a escola. 

O fato é que a roça que se estende ao fundo da casa dos Oliveira continua servindo como fonte de subsistência e renda para a família, mas os sonhos plantados têm dado norte de um novo futuro para a nova geração.

Antônio ensinou para o filho Isaias o trabalho na roça, mas o sonho de ambos é que o jovem curse engenharia. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Da mesma forma acontece na família de Bianca Oliveira, de 14 anos, que relata receber muito incentivo da mãe para prosseguir com os estudos. “Minha mãe diz que quer para mim um futuro diferente do que ela teve, então me incentiva muito a estudar e buscar outras oportunidades”, finaliza. 

Pudesse refazer a conceituada canção, os jovens do Assentamento Angolar poderiam dizer: “ainda somos os mesmos, mas já não vivemos como nossos pais”.

Jovem dá voz às demandas da comunidade

Ele só tinha 14 anos quanto representou, pela primeira vez, toda a comunidade do Assentamento Angolar. Antônio Francisco, hoje com 17 anos, é naturalmente um líder político na região, que nunca fez da pouca idade um empecilho para se colocar na linha de frente de um reivindicador local. Cobrar melhorias para a localidade onde mora é com ele mesmo.

“Se a gente não falar o que falta, quem vai falar por nós? Por isso que eu nunca tive medo de dizer e ir atrás do que precisamos. É uma forma de melhorar a vida de todo mundo”, comenta.

Antônio Francisco tem 17 anos e é naturalmente um líder político na região. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Francisco se articula com uma facilidade que parece que sempre o acompanhou. Em questão de minutos, reúne jovens da comunidade e os instiga a fazer coro com as suas reivindicações. “Ninguém sabe o que calado quer, pessoal”, incentiva a mais vozes aparecerem durante a troca de diálogo.

Francisco sonha muito, mas não é nada de outro mundo as necessidades que o jovem julga serem essenciais para a comunidade. Algumas das demandas passam pela área de lazer, outras, de mobilidade. “Um calçamento, um campo de futebol e uma praça melhorariam muito a nossa vida aqui”, explica.

Atualmente, Francisco é ligado ao Sindicato de Trabalhadores Rurais do Piauí, onde faz os repasses das necessidades da comunidade também através do órgão. “Na época de política, a gente sabe que vão aparecer os deputados, mas eu lembro de quem eu fui atrás e deu ou não atenção aos nossos pedidos. Agora, é hora de estar atento a isso”, lembra.

Ele já não conta as vezes que foi de uma instituição a outra, de um representante público a outro, para tentar buscar a instalação de uma praça no assentamento, por exemplo. Atualmente, o local não possui nenhum espaço de convivência. 

“Também estamos tentando arrecadar dinheiro para a construção da nossa igreja. Já fizemos um leilão e esse é um sonho antigo de todo mundo aqui também”, explica.

Com articulação de fazer inveja aos mais experientes oradores, o jovem faz da sua voz uma ponte para cobrar melhorias para a comunidade que está inserido, mas também cultiva objetivos particulares e muito claros. Ele é mais um dos que sonha em iniciar um curso superior.

“Quero ser pedagogo e, esse ano, a dedicação vai ser para isso. Tenho fé que eu e muitos outros daqui vamos conseguir”, finaliza.

Campo construído pela própria comunidade é única opção de lazer

Fim de tarde, o tempo se faz mais ameno no Assentamento Angolar e é nesse horário que, quase que naturalmente, o fluxo de jovens começa a sair de uma ponta a outra da região. O destino todo mundo sabe: o campo de futebol localizado na parte mais ao Norte da localidade, onde jovens, crianças e adultos se reúnem para aquela que é uma das únicas opções de lazer para os moradores, jogar bola.

O final da tarde é sempre igual, todos os dias, meninos e meninas se reúnem no campo para jogar. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

O campo foi construído por iniciativa da própria comunidade. “Até os refletores foi a gente que teve que pagar, porque fui atrás da Prefeitura e nunca conseguimos nada. Peças, fios, tudo com a gente. Infelizmente, foi assim para ter alguma opção”, explica Antônio Francisco.

Para José Reis, um dos craques da comunidade, era essencial melhoria no espaço. “O campo está deteriorado e é o único local que temos para nos divertir”, comenta. E não só os homens aproveitam o espaço, as mulheres da comunidade também entram, literalmente, em campo.

“Reunimos as meninas e já chegamos a ganhar, algumas vezes, do time dos meninos, é realmente uma das únicas opções de lazer”, diz Letícia Silva.

Enquanto as intervenções públicas não chegam, os moradores driblam as dificuldades pela iniciativa própria, esperando, quem sabe, o dia que o poder público marcará ‘um gol de placa’, brincam.

“Todos da mesma família”

Irmãos e primos de primeiro ou segundo grau. Em uma rápida conversa com o grupo de jovens do Assentamento Angolar, ao que parece, todo mundo faz parte de uma mesma família, sejam em níveis de parentesco mais próximos ou distantes. Mesmo sem ser 100% efetivo, o clima familiar impera em toda a localidade, o que faz do espaço um local mais tranquilo e, até então, ileso a problemas outros tão comuns nas grandes cidades urbanas.

Crimes de furto ou violência, por exemplo, são raros. “Todo mundo se conhece e é praticamente da mesma família, então, até hoje, só aconteceram uns dois roubos por aqui. Graças a Deus, o clima é bem tranquilo”, comenta Letícia.

Ao fim do dia, os familiares se colocam sentados na área de casa, onde têm visão para a brincadeira das crianças que correm livres na rua e o fluxo quase inexistente de carros na região.

“Também não temos problemas com drogas, que a gente saiba, não tem nenhuma boca de fumo aqui na região. O Angolar é orgulhosamente um local seguro”, destaca Francisco.

Na era digital, comunicação é ainda pessoal

Renata, Isaias, José, André, Vitória, Itauana, Cliciane, Bianca, Letícia, Tiele, Francisco, Rosiane, Paulina e Maria de Jesus. Apesar da individualidade de cada um, os jovens da zona Rural compartilham muitos sonhos em comum. Muitos deles, em aspectos básicos para a qualidade de vida de qualquer comunidade: o desejo por mais educação, lazer e saúde. 

A faixa etária, que comumente é conhecida como um período de descobertas, para eles, é entendida de uma forma natural como a de qualquer jovem em outro canto do país. Mas algumas fronteiras, ainda distanciam as realidades.

Dos cerca de 15 jovens entrevistados, apenas cinco possuíam celular. Comunicação, então, se faz pessoalmente. “Não é todo lugar que pega internet, então é mais fácil você vê as pessoas e falar com elas”, comenta Regina.

Por: Glenda Uchôa
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