Todos os dias, Cândido Constâncio de Souza Filho, de 41 anos, saia para trabalhar no ‘Comercial Familiar’, um mercadinho próximo a sua residência onde trabalhava há cerca de seis meses. Lá, ele realizava entregas, fazia limpeza e organizava o estoque de produtos. Querido por toda a vizinhança, Cândido era um homem admirado pelos adultos e pelas crianças do Residencial Dilma Rousseff.
“Ele era uma pessoa que não tem explicação. Era como uma criança, tudo que você pedia, ele fazia, não questionava. Às vezes ele dizia que não ia, mas depois quando você procurava, o que você pediu já estava feito”, conta Silvana Leal, uma amiga próxima de Cândido.
Comércio onde Cândido Filho foi morto. (Fotos: Assis Fernandes/ODIA)
O comerciante levava o nome de seu pai, Cândido Constâncio de Souza, que reporta a grande dor que é perder um filho e clama por justiça. “Ele foi assassinado em seu local de trabalho. Morreu salvando duas crianças. Era uma pessoa querida por todos, nunca foi preso, só trabalhava e nunca fazia o que era errado. Toda a família gostava dele e todos estão revoltados, as ruas pararam. Só o que eu peço é justiça, para que a gente viva em uma cidade tranquila”, conta o pai de Cândido.
Morando no bairro Santa Maria da Codipi há 40 anos, a família de Cândido era formada por ele, seu pai e o irmão, Francisco dos Santos Sousa, que comenta sobre o grande vazio que ficou após a morte do familiar. “A gente fica chocado por dentro com isso que aconteceu. Tava tudo tão sossegado aqui e de repente acontece uma coisa dessa. A gente nunca esperava isso. A gente morava aqui há 40 anos, todo mundo é conhecido’, pontua.
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Francisco acrescenta que Cândido saia para trabalhar e voltava para casa meio dia, almoçava, tomava banho e depois voltava ao trabalho. “Todo mundo gostava dele aqui, era uma pessoa muito boa. Todo mundo foi criado junto aqui. Perder um parente assim, um filho, um irmão dessa forma é muito triste”, diz o irmão.
Candido Constâncio de Sousa e Francisco dos Santos de Sousa, pai e irmão do comerciante morto
A família e toda vizinhança pede por justiça, diante de tamanha injustiça que é um cidadão inocente e trabalhador ser vítima de uma bala perdida durante uma "troca de tiro” que só se deu por parte da Polícia Militar, visto que o suspeito não estava armado. Silvana Leal, afirma que esta é uma situação muito triste e que assim como Cândido foi atingido, poderia ter sido qualquer um que se encontrava na porta do estabelecimento. Lá, havia cerca de oito pessoas, contando com quatro crianças que estavam acompanhadas dos familiares.
“Assim como ele, poderia ter sido meu esposo, minha sobrinha, a mulher do meu sobrinho, meus três sobrinhos que estavam no local no momento em que ocorreu. Aqui somos família, todos moramos próximos”, pontua Silvana.
Os amigos e familiares da vítima lamentam a perda e comentam que nem mesmo os pêsames eles receberam do corporação policial. “No velório não apareceu ninguém da corporação, nem para dar os pêsames para a família. O mínimo que eles poderiam ter feito era isso. Nenhum representante do estado ou governo. Se não fossemos nós, ele não teria tido assistência de nada”, ressalta Reginaldo Pereira, dono do ‘Comercial Familiar’, onde Cândido trabalhava.
Reginaldo Pereira, dono do ‘Comercial Familiar’
“O suspeito já tinha sido pego e revistado. Os policiais viram que ele não estava com arma nenhuma. Colocaram ele no chão e aí em algum momento, o rapaz fugiu. Ao invés dos policiais irem atrás dele, eles atiraram. No momento do primeiro tiro, todo mundo deitou no chão, foram cerca de cinco balas. Aquele foi um momento de pânico, pois foi muito de repente, não esperávamos isso acontecer”, afirma o empreendedor.
No momento em Cândido Constâncio foi atingido por uma bala perdida, ele conversava com várias pessoas na porta do local em que trabalhava. Na esquina, os policiais deixaram o suspeito fugir e durante a fuga, um dos policiais atirou. O primeiro tiro pegou diretamente na cabeça do comerciante, que caiu imediatamente, é o que conta Reginaldo.
Câmeras de segurança registraram o momento em que Cândido foi morto
Hoje (01), três dias após o assassinato de Cândido, a vizinhança se sente insegura diante das autoridades policiais. E não é para menos. Segundo o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, mais de 6 mil pessoas foram mortas pelas mãos de agentes da Polícia Civil e Militar, em serviço ou à paisano, destes 78% eram pessoas negras.
Os dados relatam o maior número de letalidade policial registrado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desde que os números passaram a ser investigados, em 2007. Em 14 anos, o crescimento nas mortes pela polícia chega a 190%.
“A polícia deveria proteger o povo
e não matá-lo”, pontua inconsolado o pai de Cândido.
Orlando José da Silva, uma testemunha que estava presente no local, conta que o sentimento de todos diante diante do ocorrido é de muita revolta e afirma ainda que essa é uma situação extremamente crítica, onde a população não sabe mais em quem confiar.
Orlando José, testemunha do crime
“Era pra gente confiar na polícia e sentir tranquilo quando visse uma autoridade, seja fardado ou à paisano. Nós não temos mais essa confiança, pois não sabemos se quem está perto é uma autoridade de confiança, ou um bandido fardado. O que me revolta é eles dizerem que houve tiroteio, mas não houve. Só quem atirou foi a polícia. Mentir é fácil, mas a uma hora a consciência vai pesar”, destaca a testemunha.
Residencial Dilma Rousseff, na região da Santa Maria da Codipi