A singularidade do ano de 2020 somada
aos percalços econômicos enfrentados pelo Brasil nos últimos anos trarão
reflexos importantes para os próximos 365 dias. Analisando toda essa
conjuntura, o economista Fernando Galvão é categórico ao afirmar que “temos um
baixo teto de recuperação econômica para 2021”.
Segundo o especialista, o cenário de
incertezas, provocado, sobretudo, pela pandemia do novo coronavírus, exige
cautela por parte dos cidadãos, dos governos e das empresas. “Se a gente olhar
o comportamento de 2020 e tentar pensar no que pode acontecer em 2021, nós não
conseguimos baixar a poeira das incertezas. Quando a gente está em um cenário
de muita incerteza, a gente não consegue olhar o longo prazo e o médio prazo
com exatidão, com precisão. A gente consegue ver, no máximo, curto e curtíssimo
prazos. E nesse contexto é preciso cautela, é preciso muita precaução,
sobretudo no que diz respeito a se preparar para o inesperado”, pontua.

Foto: Jailson Soares/ODIA
Galvão explica que essa insegurança
compromete as tomadas de decisões no presente e impacta diretamente no futuro.
“O futuro é fruto das decisões que a gente toma agora, no presente. O detalhe é
que tomar decisões agora está muito complicado. Expandir os gastos da família,
por exemplo, é delicado nesse exato instante, ou uma empresa expandir suas
operações, seus investimentos, também é delicado. Do ponto de vista dos
governos, que precisam fazer com que se gere mais com o mínimo de recursos
aplicados possíveis... tudo isso faz com que a engrenagem econômica possa estar
girando mais rapidamente ou mais lentamente. Um ambiente contaminado de
incertezas dificulta e nos impede de olhar no futuro”, pondera.
Trajetória econômica
Considerando
a economia brasileira desde a década de 80 até os dias atuais, Galvão mostra-se
pessimista quanto à recuperação das perdas para 2021. “A economia brasileira
está em um momento de muitas dificuldades. De 1980 a 2014, a economia cresceu,
em média, 2,8%, é um percentual muito baixo e, olha, que tivemos bons
desempenhos econômicos nesses anos. Se a gente pegar a recessão de 2015/2016,
derrubou a atividade econômica para baixo de zero. A recuperação vai se dar em
2017/2018, só que foi uma recuperação que só se conseguiu crescer 1,3%, muito
abaixo dos 2,8%. Em 2019, a gente cresceu 1,1%. Então, antes da Covid, já se
estava desacelerando e, em 2020, fomos atingidos em cheio por esse iceberg”,
detalha.
Quando tudo isso se acumula ao longo dos anos, Galvão destaca
que se chega a um patamar de incapacidade brasileira de gerar riquezas, que
repercute também na capacidade do país de honrar os compromissos financeiros
adquiridos.
“Então, apesar dos juros baixos, a 2%, a nossa capacidade de
crescimento está tão pequena que está sendo colocada em xeque. A gente vai ter
dificuldade de rolar nossa dívida [externa] de longo prazo e isso é um fator
cronicamente limitador da nossa capacidade de recuperação econômica. Então, com
os impactos da Covid, deterioração da dívida e o teto baixo do PIB brasileiro,
nossa credibilidade internacional está comprometida, mesmo tendo o mais baixo
patamar de taxa de juros da história”, explica.
Associado a esses fatores, o economista elenca os altos índices
de desemprego e a alta informalidade como catalisadores da queda do rendimento
das famílias e da capacidade de consumo, que são importantes vetores de ativ
idade econômica. “Se o consumo tiver deprimido, fica comprometido o
investimento das empresas, que é outro grande vetor de crescimento econômico.
Eu vou investir em um mercado de consumo que tá baixo?”, indaga o especialista.
Outro ponto
destacado por Galvão dentro desse cenário desafiador é a alta inflação nos
preços dos alimentos, que está se espraiando para outros setores. “A gente pode
dizer que têm alguns tipos de inflação, a inflação de custo, onde as empresas
repassam para as pessoas; tem a inflação de demanda, que é quando muita gente
quer comprar um produto; e o outro tipo de inflação, que é muito perigoso, é a
inflação inercial, ou seja, quando alguns setores da economia aumentam os
preços independente de demanda ou de custo para tentar majorar seus preços,
suas margens de ganho, e isso se torna muito perigoso porque você tem um
aumento artificial dos preços e a gente está num cenário de alto desemprego e
alta informalidade. Quando a gente coloca tudo isso dentro do caldeirão
econômico, temos um baixo teto de recuperação econômica para 2021”, analisa.
Especialista sugere economia colaborativa e criativa como
alternativa para o futuro
As profundas
e aceleradas transformações desencadeadas pela pandemia do novo coronavírus nos
levam a refletir sobre qual será o futuro da sociedade. No âmbito econômico,
Fernando Galvão faz sua aposta: “é através de uma economia colaborativa,
compartilhada e criativa, construindo redes de pessoas, de governos e de
empresas, que a gente é capaz de superar esses grandes desafios”.
O economista cita como exemplo desse novo viés econômico um
grupo de amigos teresinenses que, diante da alta do preço da carne bovina, se
organizou para comprar um boi, na zona rural da cidade, e assim conseguir o
alimento por um preço mais vantajoso. “Nem todo mundo consegue fazer isso, mas
foi a alternativa encontrada por esses amigos. Eles ratearam a carne do boi e,
em média, o preço do quilo ficou R$ 18, sendo que hoje, nos supermercados, a
média do preço do quilo da carne bovina é R$ 30, se for carne nobre, sobe para
R$ 60 o quilo. Então, esse é um exemplo de organização do mercado de consumo
para tentar driblar essas altas de preços no mercado de carnes. Precisamos
encontrar outras alternativas e estratégias para o consumo de outras coisas
também. As redes sociais podem ajudar nisso. Se você criar grupos para
compartilhar onde encontrar preços mais baixos, a gente consegue se esquivar um
pouco de preços altos”, exemplifica.
Galvão
pontua também que essa lógica pode ser aplicada a governos e empresas. “O
Consórcio Nordeste, por exemplo, se juntou exatamente para fazer compras
conjuntas mais em conta, porque, assim, se tem um poder de barganha maior e
depois os Estados rateiam o resultado dessas compras. Para os municípios que
elegeram seus representantes agora, uma alternativa são os consórcios
municipais, seja de gestão da água, dos resíduos sólidos, ou em outras áreas. A
gestão pública precisa buscar essas alternativas, mais de rede colaborativa,
compartilhada e criativa”, indica o economista.
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Por: Virgiane Passos, do Jornal O Dia