Que Teresina é a primeira capital planejada do Brasil não é mais novidade. Agora a pergunta que fica é: você sabe a partir de onde a cidade começou a ser construída? Em matéria especial publicada no Jornal O Dia, falamos sobre o Marco Zero da capital piauiense, que fica localizado na Rua Rui Barbosa, Centro. Marcado no chão encontra-se a chamada Pedra Fundamental da cidade, fincada em frente à Igreja de Nossa Senhora do Amparo. A inscrição gravada é autoexplicativa: “Deste marco partem as distâncias para todas as terras de Teresina – 16 de Agosto de 1852”.
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Hoje, 171 anos depois, o símbolo da criação de Teresina permanece intacto resistindo ao tempo. Na contramão disso, está a memória do teresinense. Quem passa pelo Centro de Teresina, em geral, tem pressa. E nessa correria, perdem-se os detalhes e a História. Há quem confunda o Marco Zero da Capital com a tampa de um bueiro, um “desenho da igreja” e até mesmo quem nunca nem tenha reparado a inscrição ali, muito embora passe por ela diariamente.
É o caso do autônomo José Raimundo Vieira. Natural de Altos, ele mora em Teresina desde 1978, mas desconhecia que naquele ponto do Centro Comercial estava também o início de uma história de 171 anos. “Não sei o que representa não. Eu achava que era uma estrela representando alguma coisa da Bíblia, da história de Jesus, já que está na frente de uma igreja. A cidade começou a ser feita daqui? Faz sentido, não é? A Prefeitura é aqui perto, deve ter alguma coisa a ver”, comentou o senhor.
E José Raimundo não está errado. O Marco Zero de Teresina estar situado exatamente ali não é por acaso. A criação da capital piauiense perpassa as construções europeias do período. A ideia era construir uma cidade do interior para se contrapor à rota do comércio em constante expansão que era Caxias, no Maranhão, e a Rota de Belém.
O Marco Zero simboliza o que era necessário naquele momento para que a cidade se tornasse um símbolo de crescimento. Quem explica melhor é o historiador Leônidas Júnior, em entrevista exclusiva ao Jornal O Dia.
Por estar situado na calçada da Igreja do Amparo, o Marco Zero de Teresina é comumente associado à religião. Assim como o senhor José Raimundo Vieira, outros teresinenses que passam pelo local acreditam que o símbolo faz parte do conceito arquitetônico da igreja como simples decoração. Gravado no Marco Zero estão os termos em latim “Eclesiae Prisma Theresinae”, que significa basicamente “A primeira igreja de Teresina”.
Leônidas Júnior explica que essa relação entre a religião e o crescimento urbano era ainda maior no século XIX, o que dá sentido à Igreja do Amparo estar bem no centro entre a Administração Pública e o Mercado Público, e ser o ponto de localização do Marco Zero. A religiosidade associada a ele é justamente o que atraiu a atenção da senhora Maria das Graças da Silva. Aos 75 anos e morando em Teresina há três décadas, ela diz que conhece a história da fundação da capital, mas vê no Marco Zero um significado mais religioso que arquitetônico.
“Está na frente da igreja mãe, é a igreja matriz da cidade. Querendo ou não tem um significado muito grande a cidade ter começado a ser feita a partir daqui. O ponto central dela é um símbolo de congregação”, comentou a senhora Maria das Graças.
“Precisamos de políticas de preservação dos espaços de memória”, diz historiador
Seja como símbolo religioso ou símbolo arquitetônico, reconhecer o Marco Zero de Teresina como ponto de partida para a história de um povo é não deixar a história se perder. A coletividade precisa de memórias em comum para se manter e se essas memórias se perdem, o senso de pertencimento também acaba prejudicado. O que falta ao teresinense em não reconhecer locais importantes para sua história não é conhecimento e sim ser contemplado por ações públicas de fomento à preservação da própria história. É isso o que afirma o historiador Leônidas Júnior.
Em entrevista, ele comenta que Teresina precisa urgentemente de políticas públicas de preservação dos espaços de memória. Elas passam não só pela manutenção arquitetônica de prédios, mas também por ações que incentivem as pessoas a se interessar mais pela história da cidade.
“A responsabilidade por este desconhecimento não é só da população. O que ocorre é que Teresina não conta com uma política pública de preservação dos espaços de memória e nem de fomento a isso, com atividades econômicas e turísticas. Temos prédios históricos que foram destruídos para dar lugar a estacionamentos sem sequer passar por uma discussão coletiva. Teresina, no contraponto da grande maioria das capitais do Nordeste, não tem isso”, comenta.
Leônidas Júnior cita, por exemplo, São Luís, capital do Maranhão, que conseguiu preservar seu centro histórico criando um centro comercial e econômico moderno mais afastado dele. O que falta para Teresina é pensar estratégias como essa e discuti-las com a população de modo a não permitir que a história se perca.