“Eu tenho uma medida protetiva, mas não é um papel que vai salvar a minha vida. Quero que meu agressor seja preso para que eu possa dizer que a segurança está funcionando de verdade”. O desabafo é de Marta Célia, conselheira municipal de políticas para as mulheres e vítima de agressões nos dois relacionamentos que teve nos últimos anos. Foi a dor física e mental causada pelos seus agressores que a fez ingressar na luta para que o direito à vida seja garantido a todas as mulheres.
É fato que o aparato jurídico brasileiro avançou nos últimos anos no sentido de proteger e resguardar a integridade física e psicológica delas. Mas também é sabido que muito ainda pode e deve ser feito. Considerada um marco no combate à violência contra a mulher, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 – a Lei Maria da Penha – completa 17 anos nesta segunda-feira (07).
Ao estabelecer que todo caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime e deve ser apurado pela polícia, esse aparato jurídico atua em duas frentes: a preventiva, com ações educativas e difusão de informações sobre o que é e como identificar casos de violência contra a mulher; e também punitiva, endurecendo as penas aplicadas aos agressores e garantindo à mulher um acesso facilitado à justiça.
Aqui no Piauí, a Lei Maria da Penha conta com alguns mecanismos específicos que garantem sua aplicação mais efetiva, como é o caso da Patrulha Maria da Penha e o aplicativo Salve Maria. A primeira é um serviço da Polícia Militar em parceria com o Poder Judiciário, que atua na fiscalização do cumprimento das medidas protetivas concedidas às vítimas de violência doméstica e familiar. Já o Salve Maria é um aplicativo com botão do pânico que pode ser acionado por qualquer mulher em situação de violência doméstica.
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Os canais tradicionais como o 190 da Polícia Militar também seguem recebendo denúncias diariamente. E aumentou o número de mulheres pedindo socorro através deste canal no Piauí. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as chamadas no 190 da PM subiram 14,5% entre 2021 e 2022. No ano retrasado foram recebidas 2.196 chamadas neste canal e, no ano passado, foram 2.515. Significa dizer que o número de denúncias aumentou.
Esse aumento nas denúncias resultou em menos mortes, muito embora os índices de tentativa de feminicídio tenham subido. Os dados do Anuário apontam que o Piauí teve 79 tentativas de feminicídio em 2021 e 98 em 2022, um aumento de 23,4% No entanto, o número de mulheres assassinadas diminuiu de um ano para o outro: 37 em 2021 e 24 em 2022 (redução de 35,5%).
Outro crime que também deu uma reduzida de 2021 para 2022 foi o de lesão corporal dolosa, ou seja, a violência doméstica. Em 2021 foram registrados 1.826 casos de lesão corporal dolosa contra a mulher. Em 2022 foram 1.243. A redução foi de 32,3%. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública ainda não trouxe os dados referentes a 2023, mas uma breve observação no cenário local nos últimos meses torna perceptível o quanto a violência contra a mulher ainda segue arraigada na sociedade e precisa da atenção das autoridades competentes.
Só em 2023, o Piauí já registrou 16 feminicídios. Abril foi o mês mais violento, com seis ocorrências. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública, disponíveis para acesso público no site do órgão. Quem atua na rede proteção à mulher sabe que a morte é o estágio final de uma série de violências (visíveis e disfarçadas) às quais a mulher é submetida por parceiros, ex-companheiros e membros da própria família. Como afirma a delegada Eugênia Villa, diretora de Avaliação de Riscos Sociais da SSP-PI, toda morte por feminicídio é evitável.
É como se as histórias fossem sempre as mesmas ou seguissem um padrão. A estudante de Direito, Vitória Soares, que foi agredida pelo então namorado, Matheus Vitor, em abril deste ano, disse que tinha um localizador no próprio celular instalado pelo rapaz. A influencer Pâmela Xavier, que foi agredida em via pública com um soco pelo empresário José Luís de Moura Neto (o Gordinho do Peixe), disse que vinha recebendo ameaças após denunciar o caso e ele ser preso. O fato aconteceu em maio deste ano. Mais recentemente, a esteticista Nathalia Cantuário teve as pernas esfaqueadas pelo ex-marido, Anderson Figueiredo, após decidir se separar dele.
Como afirma Zenaide Lustosa, secretária estadual de Políticas Públicas para as Mulheres, o feminicídio é uma morte anunciada. “É um ato misógino, é ódio contra as mulheres. Os homens que matam mulheres o fazem de forma deliberada, calculada e até prazerosa. É disso que temos que ter clareza. Que é ódio e que a gente tem que ampliar as políticas públicas de enfrentamento. Há casos em que só a medida protetiva não adianta, porque o homem, quando quer matar, ele consegue subterfúgios. Pelo menos 80% das mulheres que sofrem violência não denunciam e nós orientamos o contrário: não silenciem, denunciar para que a gente continue viva”, afirmou Zenaide.
STF derrubou a tese de legítima defesa para crimes de feminicídio
No último dia 01, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. A decisão foi por unanimidade dos votos. É que a tese da legítima defesa da honra era usada em casos de feminicídio ou agressão contra a mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão era aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.
No julgamento, o Plenário do STF seguiu o relator, ministro Dias Toffoli, pela procedência integral do pedido apresentado pelo PDT na ação, firmando o entendimento de que o uso da tese, nessas situações, contraria os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
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